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Chapter 16 - A Hora da Verdade

O tempo parecia ter parado.

Jiwon não conseguiu desviar o olhar de Seojun, que agora a observava com uma expressão firme, mas carregada de algo mais — dor, talvez, ou lembranças que nunca morreram. As palavras dele ainda ecoavam em sua mente:— "Está na hora de você saber quem realmente é".

Ela engoliu em seco. As mãos estavam frias. O ar no quarto parecia raro, como se cada respiração exigisse esforço.

Por um instante, tudo ao redor parecia distante. A poltrona onde ele estava sentado, a xícara de chá esquecida sobre a mesa, o leve som da brisa contra as janelas — nada mais fazia sentido.

Só havia uma pergunta batendo no fundo da alma de Jiwon.

— Quem sou eu... de verdade? — murmurou, como se as palavras carregassem anos de silêncio.

Seojun respirou fundo. Sua voz veio baixa, mas firme — como quem traz consigo uma verdade pesada demais para carregar sozinho.

— Você não se lembra, mas... a gente se conhece desde crianças. Estávamos na porta da escola, esperando nossos pais... quando tudo aconteceu.

O coração de Jiwon disparou. As pernas ameaçaram fraquejar.

— Uns homens chegaram armados. Eles não disseram nada. Só... te pegaram. Eu gritei, tentei te segurar, mas... — ele engoliu seco, desviando o olhar — Seu pai apareceu correndo. Tentou te proteger. Um dos homens atirou nele e ele foi atingido e ficou em estado grave.

Jiwon levou a mão ao peito. O ar parecia lhe escapar dos pulmões. As palavras de Seojun martelavam na mente como ecos de um pesadelo.

— Ele está vivo Jiwon. Mas pensa que você morreu naquele dia.

Ela cambaleou um passo para trás, os olhos marejando.

— Isso... isso não pode ser verdade...

— É verdade — disse ele, com dor nos olhos. — Fizeram parecer que o carro em que você estava despencasse num rio. Disseram que não houve sobreviventes. Sua família recebeu relatos de que corpos foram encontrados dentro do carro. Só que eu nunca acreditei que o seu estivesse entre eles. Seu pai estava em coma na época, e foi sua madrasta quem fez o reconhecimento — mas ela não deu muitos detalhes.

— Ela nunca gostou de mim e não permitiu que eu estivesse presente no funeral. Isso só reforçou minha desconfiança... Eu simplesmente não consegui acreditar na sua morte.

As lágrimas correram livres pelo rosto de Jiwon. Seu corpo tremia, tomado por memórias fragmentadas que agora gritavam para emergir.

— Por que... por que nunca me contou isso antes? Foi por isso que entrou na minha escola como professor substituto? — disse com a voz trêmula, mal conseguindo manter-se de pé.

Ele abaixou a cabeça, os punhos cerrados.

— Porque eu não tinha certeza... até então, você era apenas uma lembrança. Mas eu precisava saber. E, para isso, contei com a ajuda de um amigo que é detetive.

Ela arregalou os olhos, surpresa.

— Nós descobrimos que... Nenhum corpo de criança foi encontrado no local onde disseram que o carro caiu. Isso já acendeu um alerta. Então seguimos pistas e um contato do meu amigo detetive, informou que um homem havia falsificado documentos para uma menina chamada Han Jiwon, mas sem documentos anteriores desde os oito anos de idade no mesmo ano do seu sequestro.

Jiwon sentiu o chão fugir debaixo de si.

— Eu sabia que havia algo estranho... meu passado sempre foi uma página em branco — sussurrou, como se falasse para si mesma.

— Foi então que decidi vir até aqui — contínua Seojun. — Entrar na escola era a maneira mais segura de ficar perto de você, de saber a verdade... e te proteger. E foi lá que descobri quem era o homem que a criou.

A imagem do “tio” surgiu na mente de Jiwon — aquele que dizia tê-la salvo, mas que nunca respondia às suas perguntas com clareza. 

— Tentei falar com ele antes, mas ele evitou. Na formatura, finalmente consegui um encontro... e ele confessou tudo.

Jiwon arregalou os olhos ao se lembrar de quando viu seu “Tio” conversando com Seojun — Agora faz sentido o nervosismo dele e a irritação de Seojun.

— Confessou... o quê?

Seojun fechou os olhos por um instante.

— Disse que foi o primeiro dia dele com o grupo... que o levou até uma casa isolada, no meio do nada. Um lugar... para sujeira feita. Foi mandado pra “limpar” um dos quartos.

Jiwon prendeu a respiração, sentindo o sangue gelar nas veias.

— Quando entrou... você estava ali. Uma garotinha de oito anos, desmaiada, ensanguentada. Ele congelou. Disse que nunca poderia fazer aquilo. E então o chefe um conhecido antigo, apareceu e disse: "Esse é seu teste. Se quiser entrar no grupo, prove que está preparado."

Jiwon levou a mão à boca. Lágrimas silenciosas escorrendo pelo rosto.

— Ele me salvou?

— Sim — Seojun respondeu, com a voz falhando. — Ele disse que não conseguiu fazer aquilo. Te pegou nos braços e... Fugiu com você. E a criou com outro nome. Mas... nunca te contou a verdade, para proteger você e a família.

— E naquela noite... — a voz de Seojun saiu baixa, mas continha uma urgência contida — naquela noite em que a salvei... eu estava próximo de sua casa. Não foi por acaso. Eu... já vinha te observando de longe, com medo de te assustar, esperando o momento certo para te contar tudo. E minutos antes dos ataques recebi uma ligação de Kyungwoo. 

Ele fechou os olhos por um instante, revivendo a cena.

— A voz dele estava trêmula. Disse que descobriram que você estava viva. Que alguém dentro do antigo grupo tinha o encontrado e parecia saber de tudo, e que agora... eles estavam vindo atrás de você. E que toda a família dele corria perigo.

Jiwon arregalou os olhos, sentindo o corpo enrijecendo.

Seojun passou a mão pelos cabelos, nervoso.

— Eu corri. Corri como nunca tinha corrido na vida. Cheguei a tempo de ver um carro preto estacionando na rua, com os vidros escuros... dois homens desceram. Um deles eu reconheci. Era o mesmo que esteve na investigação do passado. Um dos que estavam lá, no dia do seu sequestro.

Ela desabou no chão, sentindo a alma despedaçar. As peças do quebra-cabeça, por mais cruéis que fossem, finalmente conseguiram se encaixar.

— Eu sou... aquela criança... — sussurrou, entre lágrimas. — E todo esse tempo... meu pai pensou que eu estava morta?

Seojun se ajoelhou à frente dela, os olhos também marejados.

— Você não está mais sozinha. Agora... você sabe quem é.

— Não... eu ainda não sei quem sou! — a voz de Jiwon explodiu entre lágrimas, rouca, dolorida. — Eu não consigo lembrar de nada! Nada, Seojun! Nada do que você disse está aqui dentro! — ela bateu levemente no peito com a mão trêmula, o olhar desesperado.

Ela o encarou, os olhos vermelhos e cheios de dor, como se implorasse por uma verdade que sua mente se recusava a revelar.

— Por que eu não me lembro? — sussurrou.

Com a voz quase se quebrando. 

— Por que tiraram isso de mim? - continuou. — Por que deixou um buraco onde deveria haver uma infância?

Seojun não disse nada de imediato. Seu rosto estava desfeito. Ele se moveu devagar, como se cada passo pesasse uma década.

— Jiwon... — ele murmurou, ajoelhando-se à sua frente. — Eu... esperei tanto tempo por você. Por este momento. Imaginei mil vezes como seria... mas nunca assim. Eu queria te devolver sua história, mas acabei te devolvendo as feridas.

As lágrimas escoriam livremente pelos olhos dele agora, sem controle. A dor nos olhos de Seojun era a de quem carregava uma culpa silenciosa há anos.

— Me perdoe — ele disse, a voz embargada. — Me perdoe por tudo o que você teve que viver. Por não ter te achado antes. Por só poder te dar memórias partidas... e não lembranças felizes.

Jiwon o encarou por um segundo — um segundo longo, pesado, sufocante — e então desabou. Deixou-se cair nos braços dele, como se suas forças se esgotassem.

Seojun a abraçou com força, os dois tremendo no silêncio do quarto, agora preenchidos por soluços abafados.

— Eu daria tudo — ele sussurrou, entre lágrimas — tudo... pra que você nunca tivesse passado por isso. Pra que ainda fosse aquela menina que ria comigo no pátio da escola. Eu nunca te esqueci... nunca.

Ela chorava no ombro dele, como quem tentava expulsar anos de vazio, medo e silêncio. Seu coração doía, mas ao menos agora havia alguém que também sentia aquela dor — e que não a deixaria sozinha dentro dela.

Um silêncio cheio de dor e reconciliação pairava entre os dois quando a porta se abria lentamente.

— Trouxe chá — disse uma voz suave.

Era Haejin, irmã de Seojun. Seus olhos passaram rapidamente entre os dois, percebendo a atmosfera densa, os olhos inchados de Jiwon, os ombros tensos de seu irmão. Mas não disse nada. Apenas entrei com a delicadeza e coloquei uma bandeja sobre a mesa.

— Obrigada... — murmurou Jiwon, tentando limpar o rosto com as costas da mão, ainda tremendo.

Haejin sorriu com ternura e saiu em silêncio, respeitando o momento.

Seojun serviu o chá, tentando se recompor. As mãos ainda tremiam levemente, mas ele se obrigou a manter a calma. Jiwon aceitou a xícara, segurando-a com cuidado, como se o calor do líquido pudesse aquecer as partes de si que ainda estavam quebradas.

Após alguns minutos em silêncio, respirando fundo e tomando pequenos gols, Jiwon falou com a voz mais baixa, porém firme:

— Seojun... posso te pedir um favor?

Ele solicita os olhos imediatamente, atento.

— Claro. O que você quiser.

Ela olhou para a xícara em suas mãos, os olhos voltando a se encher de lágrimas.

— Eu queria saber... o que aconteceu com a família que me criou. Com... Minjae.

O nome dele saiu com dificuldade, como se despertasse lembranças confusas demais para serem ordenadas.

Seojun hesitou por um momento, depois assentiu, suspirando profundamente.

— Eu busquei informações. Já sabia que me perguntaria. — Olhou para ela com pesar. — Infelizmente, os seus "tios" estão mortos.

Jiwon fechou os olhos, e as lágrimas voltaram silenciosas.

— E Minjae?

— Minjae está vivo. Está em Busan — Seojun baixou o olhar.

Jiwon levou a mão à boca para conter uma solução, mas não conseguiu. As lágrimas agora eram de culpa, de afeto, de medo.

— Ele... ele está sozinho? — sussurrou.

Seojun assentiu com pesar.

Jiwon desabou. Chorou com o rosto entre as mãos, como se toda a força que havia usada para se manter firme finalmente se esgotasse.

— Então me deixa vê-lo... por favor... — ela implorou, a voz embargada. — Ele deve estar com o coração despedaçado. Ele cuidou de mim quando ninguém mais estava lá. Eu... eu preciso vê-lo. Preciso saber se ele está bem com meus próprios olhos!

— Jiwon... — disse Seojun — é perigoso. Não sabemos quem mais está por trás de tudo. Tenho que manter sua segurança até descobrir toda a verdade, ou até que se lembre, existem coisas que só podem ser reveladas quando recuperar sua memória.

Levantando se com os olhos marejados, porém firmes agora.

— Então traz ele pra cá. Traz o Minjae. Se eu corro perigo, ele também corre. Ele já está vulnerável. Eu não quero perder mais ninguém.

Seojun observa por um momento. Finalmente, viu ali não a menina perdida, mas a mulher que estava renascendo entre feridas e memórias.

Ele suspirou. Sabia que não tinha como recusa.

— Eu vou trazê-lo. Prometo.

Jiwon assentiu em silêncio, mas o coração, apesar de ferido, deu o primeiro sinal de esperança desde que tudo começou.

A chuva caia sem piedade, encantando o chão ao redor dos túmulos. As pessoas passaram a se dispersar, uma a uma, abrigando-se sob guarda-chuvas pretos. Mas Minjae hospedou-se ali, imóvel, sem nenhum guarda-chuva, com o olhar fixo observando em silêncio o túmulo coberto por flores ainda frescas.

Ele não derramou uma lágrima.

O terno preto grudava no corpo pela água fria. O cabelo, colado à testa, escorria pingos até os olhos — mas ele nem piscava.

Na mente dele, apenas duas imagens: A de seus pais mortos no chão da sala e o sorriso de Jiwon.

— Eles levaram tudo — murmurou, a voz rouca, quase inaudível.

Um trovão rompeu o céu como se respondesse ao seu lamento silencioso.

Um dos seus funcionários se mudou, estendendo uma guarda-chuva.

— Senhor Minjae... temos que ir. Está muito frio.

Minjae ergue o olhar devagar, os olhos vermelhos não de choro, mas de algo mais sombrio.

— Prepare tudo — disse, firme. — A mansão será reformada. Quero todos os arquivos dos meus pais. Todas as correspondências. Todas as transferências financeiras dos últimos meses.

— Sim, senhor.

— Contrate os melhores detetives. Pague o que for necessário. E... — ele fez uma pausa, o olhar perdido nas flores úmidas — ache Jiwon.

E nesse momento, como se o próprio mundo confirmasse sua decisão, a chuva parou. Não de fato, mas no interior de Minjae, uma nova pessoa surgia. Ele não era mais o garoto apaixonado que sorria por ela... mas o homem que destruiria tudo para tê-la de volta.

E quem quer que tenha levado sua paz, pagaria o preço.

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