Capítulo 2: Preparativos para a Marcha
A tenda de Severus era a maior de todo o castrum. Estava situada bem no centro do acampamento, como um coração de onde partiam todas as ordens e decisões. Suas paredes espessas de couro tratadas com gordura animal mantinham o interior aquecido, ainda que a noite fosse fria.
O ambiente era austero, porém rico. Um braseiro mantinha a temperatura suportável, espalhando calor e aroma de carvão queimado. No canto esquerdo, uma cama improvisada com peles de lobo e urso formava o leito do comandante. Havia estantes rústicas repletas de livros, rolos de pergaminhos e instrumentos de escrita. Um suporte de ferro exibia a armadura segmentada polida, o elmo com crista vermelha e o gládio ensanguentado do último treinamento.
Sete baús reforçados estavam dispostos ao fundo da tenda. Cinco deles transbordavam com denários de prata, e os dois restantes repletos de áureos de ouro. Pelos tapetes que cobriam parte do chão de terra batida, seria fácil confundi-lo com o pavilhão de um cônsul.
No centro, dominando o espaço, uma enorme mesa de madeira servia como centro de comando. Mapas com anotações, figuras esculpidas em miniatura representando coortes e cavalaria, e relatórios diversos espalhavam-se sobre ela.
Severus estava sentado na cadeira principal, um assento alto com entalhes de águia. Em mãos, lia atentamente um relatório entregue pelo praefectus castrorum, o oficial responsável pela administração do acampamento.
A expressão em seu rosto se tornou tensa.
— Vinte dias de ração não é uma margem aceitável... — murmurou.
Sabia, como historiador e como soldado, que a lealdade de uma legião podia ruir quando a fome tomava os ventres. Não eram mais simples NPCs programados para obedecer cegamente. Eram homens — humanos, complexos, com temores e desejos.
Eles respiram, pensam, questionam. E homens com fome não rezam para os deuses... matam seus generais.
Ergueu-se da cadeira.
— Guardas! — bradou.
Dois legionários que montavam guarda do lado de fora entraram imediatamente na tenda, em posição de sentido.
Sem dizer mais, Severus puxou um pergaminho e molhou a pena no tinteiro. Com caligrafia firme, redigiu uma mensagem ao praefectus.
— Entregue isto ao Perfeito do Acampamento. Amanhã ao nascer do sol, a legião marchará rumo ao sul, seguindo a nascente do rio. — disse, entregando o pergaminho ao primeiro guarda.
O homem assentiu, deu meia-volta e saiu apressado.
Severus então escreveu outro pergaminho, selando-o com o sinete de seu anel de comando.
— Este é para o Mestre da Cavalaria. Um decurião e seu destacamento devem partir imediatamente como batedores. Quero reconhecimento do terreno antes de mover seis mil homens. — declarou ao segundo legionário.
O guarda recebeu a ordem e retirou-se sem hesitação.
Sozinho novamente, Severus voltou a sentar-se, os dedos tamborilando sobre o tampo da mesa.
Este mundo é uma incógnita. Não posso arriscar minha legião em selvas desconhecidas, mas também não posso permanecer parado... A disciplina se sustenta com propósito. E propósito exige marcha.
A chama do braseiro estalou. Os olhos azuis do Legatus refletiram o fogo. Seu destino o chamava para o sul — e ele atenderia.