Quando retornaram aos elevadores, foi encontrado o conjunto de mapas, com traçados e ilustrações topográficas.
As rotas dos teleféricos subterrâneos viajavam por túneis de rocha escura, da pristina cidadela enterrada.
Poderiam ter economizado tempo e esforço, mas não desgostaram da caminhada silenciosa.
Antes pela manhã, Bollomixiana, ao perceber que Tíwaz não era ameaça, retirou-se, sem chegar num acordo com Yorranna que, mimada, não aceitava não ter as vontades concretizadas.
A irmã menor insistia em ter Bollomixiana desculpando-se, ajoelhada diante do antigo pretendente.
O que, estava claro, nunca aconteceria.
Até o nada culto Tíwaz percebera que, mesmo sem saber qual desventura fora o motivo, algo no príncipe desagradava profundamente à arquiduquesa.
Assim, no quinquagésimo andar, após mais três horas por elevadores e corredores, jardins de papoulas e lírios, e florestas verticais de faias, chegaram os dois atrasados em horas para a primeira aula.
Para a surpresa do duo, a própria mestra não estava presente, e chegou só após mais duas horas.
Quando apareceu, tinha abaixo dos olhos maquiagem pesada.
Ver a mente de alguém, das memórias alegres às brutais, incitou na vampira árdua insônia.
— A lição número um será a mesma para os dois, confiança. — e Moeg'Tullam expôs Tíwaz para Yorranna. — Plebeu, sem nenhuma nobreza. Antes de ser mordido por Tsaritsa, sequer provara de alquimias com sangue fháurico.
Tíwaz abaixou a cabeça.
O salão em que estavam tinha cinquenta metros de altura, lagoas artificiais despejavam águas entre rochedos esculpidos.
A abertura lateral permitia a visão das brumas protetoras.
Tomou-o a desilusão.
— Yorranna está em situação pior, com a separação da mãe, ela foi manchada. Na posição atual, sua duo pode deixar a Árvore Cinzenta a qualquer momento. Se for desejo do pai dela, irritado com a irmã, Yorranna pode até ser vendida. E sempre existem humanos interessados nessas relações. — na mesma calma, Moeg'Tullam expôs Yorranna para Tíwaz.
— As regras dizem que os alunos só podem casar após o Ultimato de cada geração. — Yorranna, esforçada em manter a compostura, não demonstrava o desconforto invadindo-a.
— No caso de casamentos entre nobres não manchados, sim. No seu caso, e no de sua irmã, os contratos serão para o concubinato.
Como profundo vazio decrépito pairou no coração inocente da fhauren, forçada a amadurecer após vida de logro e placidez.
— Não é só ela não lutar? — tentava Tíwaz entender as muitas regras e costumes.
— Sim e não. Todos os alunos são obrigados a participar de, ao menos, um torneio por estação, excluindo umbrosa. Pode recusar desafios até então, mas, ainda terá de cumprir a cota mínima ou será expulsa.
— Há limite de derrotas? Me vejo como triste personagem. — o tom dele atraiu a duo:
— Você é mesmo nascido na plebe? Não é possível, nos estudos são mais raros que príncipes.
— Totalmente.
— E nunca bebeu sangue? Nem por alquimias? Nada?
— Nem mesmo uma gota.
— Não faz diferença, vocês podem perder todas as lutas. Existem precedentes. A Liga tem o placar de trinta e sete negativo para o pior colocado da história. São cinco as estações no ano, contando as férias de umbrosa. E o ano da formatura é o Ultimato, na pior das hipóteses, com uma só luta. Serão doze torneios ao todo. Pensando no cenário catastrófico, contando o Ultimato, treze derrotas para cada um de vocês. — percebeu Moeg'Tullam que seus dois servos não tinham ânimo. — Historicamente, existem milhares de alunos que terminaram a Liga das Cinzas no negativo. Podem confiar um no outro.
— Não é justo. — alarmou-se Yorranna — Dizer-se-ia que de nós lê cada movimento, e nós da mestra nada sabemos. Mais confio em Tíwaz, mero humano. Nos conte algo. Segredo que ninguém mais saiba. Que seja pacto entre três essa confiança exigida de dois.
— Minha terra é Sempre Noite, além do Além Sul, onde chovem cinzas desde os tempos primevos. Antes de ser eleita eu era escrava, voltada a satisfazer os humanos que visitavam a corte.
— Co-cortesã? — interpelou Yorranna com o rosto corado.
— Reles puta. — assumiu Moeg'Tullam impassível. — Nasci e fui criada nessa profissão, era minha herança. Por isso, Tíwaz, juro-lhe, fosse maldição ou infortúnio, seu destino não é mais o traçado previamente a seu nascimento. Eu sou a prova disso.
— Sinto muito, mestra. — lacrimosa, a jovem fhauren não conseguiu se controlar.
— Sem pranto por meu nome. Naquele tempo eu mesma não lamentava. Quanto mais te alimentam de miséria, mais você se convence de que seu regurgitar é gratidão. O escravo em tudo dá graças. Agora, se acalma. Lutemos, quero testemunhar vosso poder, e chances.
Afastou-se Tíwaz pela ponte em ruínas, atravessando o calmo lago, que guiava à antecâmara das armas.
Corais submersos cobriam os leitos, em matizes de laranja, rosa e vermelho.
Quando mestra e serva colocaram-se de frente, a duo estendeu a mão para Tíwaz, mostrando a pele enrijecendo da ponta dos dedos às veias no pescoço.
Até a expressão da fhauren mudou, de indefesa para predadora.
Abaixo do uniforme militar de Círculo Montanhês, todo o corpo esguio era protegido por definidas musculaturas, com os cabelos loiros dançando, soprados pela aura vampírica, como brisa que nascia em si mesma.
A espada da jovem fhauren era a Batismo da Esperança, arma de duas mãos, em prata sobreposta. Três gumes espaçados por centímetros.
Por sua vez, Moeg'Tullam usava avariada espada de treinamento, férrea, não polida e sem corte. Segurava-a apenas com a mão esquerda.
Sem retroceder, a mestra recebeu os ataques frontais.
Abaixou-se Yorranna e visou as pernas daquela que só defendia, inclinada levemente.
No movimento interligado de golpes ininterruptos, após a sequência de cortes baixos, com as espadas encontrando-se estridentes, levantou-se a duo, visando o queixo de Moeg'Tullam.
Desviando facilmente, a mestra bateu na Batismo, que tremelicou no ar, depois outro golpe na espada, forçando a arma para baixo.
Segurando a Batismo com as duas mãos apertadas, Yorranna visou levantar a arma reunindo toda a força que possuía, liberando mais aura para intensificar a potência do golpe.
A defesa aparando e desviando foi ainda mais serena, enterrando a lâmina no teto da arena, cinquenta metros acima.
— Está bem.
— Não, não está! Eu posso ser melhor que isso. Estive descuidada. Minha irmã veio me ver, meus pensamentos estão nela, dá-me outra chance! — entre exigir e implorar, desesperava-se Yorranna. — Eu não sou tão fraca assim, juro-lhe!
A mestra concordou, e jogou a espada de treinamento para a serva, e dessa vez lutou de mãos nuas.
Depois do novo corte no vazio, a espada velha foi atingida pelas mãos de Moeg'Tullam, de um lado e do outro da lâmina, estourando o metal em incontáveis cacos.
— Vocês dois lutarão no último dia de torneios de serenata. Negociarei com outros mestres, farei arranjos para que seja fhauren, ou humana, a oponente de Yorranna. Até lá, temos vinte e seis dias.
— Não vai me testar?
— Não há necessidade, Tíwaz.
— Ei, também tenho meu orgulho.
A mestra suspirou, e permitiu.
Após escolher pesada espada na antessala afastada, Tíwaz foi derrubado por um chute ao retornar.
— Ainda orgulhoso? — divertiu-se a mestra mais do que estava disposta a admitir, e disfarçou a feição de preocupação que se seguiu, notando Tíwaz imóvel.
— Você vai ter um trabalho e tanto. Estou a aprender para solteirão. — ele assumiu, estatelado no chão.
Yorranna ajudou o humano caído, sem entender como o recém-transformado, sem nenhum controle de aura, aguentaria lutar até o final da temporada.
