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Chapter 2 - OS HÓSPEDES DA IRLANDESA

Cora O'Shea, uma irlandesa de pele rosada e espírito jovial, fazia sua rotina matinal de ginástica em frente à janela, ao som de um programa de rádio que incentivava movimentos repetitivos. A música era sempre a mesma, uma marcha marcada, enquanto Cora acompanhava com entusiasmo, repetindo: "One... Dois... um..." e dando palmadinhas na barriga. Esse ritual era seu esforço para lutar contra a "gordura da meia-idade", o peso que a idade começava a trazer. Aos cinquenta anos, a saúde de ferro era sua maior alegria.

Ela havia perdido o marido há uma década, deixando-a sozinha para criar o filho, Clarence, e ocasionalmente recebendo notícias do filho mais velho, Marmaduke, que estava na Inglaterra estudando Química. Para se manter, Cora decidiu alugar alguns quartos, transformando sua casa em um lar acolhedor para inquilinos de confiança. Entre eles estavam Mr. Graz, um suíço professor de francês que morava ali há anos; Mr. Gedeon, um americano representante de uma firma ortopédica; e Verônica, uma jovem estudante de música.

Apesar da convivência harmoniosa, Clarence destoava. Ele era um adolescente insatisfeito, constantemente reclamando e com pouco filtro nas palavras, o que frequentemente incomodava os outros. Naquela manhã, enquanto Cora, Graz, Gedeon e Verônica tomavam o café da manhã em um ambiente descontraído e familiar, Clarence estava atrasado e cantava desafinadamente no chuveiro, para frustração da mãe.

Durante a refeição, Cora comentava o quanto a maçã era saudável, repetindo um de seus ditados preferidos: "Uma maçã por dia mantém o médico longe". Graz escolheu as frutas com meticulosa atenção, enquanto Gedeon, sempre polido, tomava o café com sua costumeira formalidade. Verônica, preocupada com uma prova no Conservatório, despediu-se rapidamente, desejando sorte a si mesma.

Alberto, que estava atrasado para sua aula de Anatomia Patológica, corria para pegar o ônibus. Ao conseguir embarcar, ele se acomodou no fundo ao lado de um menino distraído com uma revista. Pouco depois, o motorista, em um descuido, perdeu o controle e jogou o ônibus contra um poste, causando uma comoção entre os passageiros. Em meio à confusão, uma revista caiu ao lado de Alberto, aberta em uma página que chamou sua atenção. Ele leu a legenda: "Insetos Curiosos" e, abaixo, viu um besouro exatamente como o que Hugo, seu falecido irmão, recebera. Seu nome científico era Phanaeus ensifer, cujo significado era "portador de espada".

O impacto do nome o atingiu profundamente: "Portador de espada..." repetiu ele, enquanto memórias da noite fatídica invadiam sua mente. Alberto, ainda atônito, começou a perceber que o que parecia uma simples coincidência talvez fosse uma peça do quebra-cabeça sombrio que o aguardava.

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