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Chapter 13 - O BESOURO DE PAPELÃO VERMELHO

Até agora os trunfos estão conosco, disse Pimentel. Precisamos evitar por todos os meios que o criminoso saiba que estamos a par de suas manobras. — É necessário ter muito cuidado com esses repórteres que vivem farejando crimes aqui na Polícia, objetou Silva. Se algum jornal publica alguma coisa a esse respeito... vai-se embora a única oportunidade que temos de agarrar o sujeito com a boca na botija... — Tenho um vago pressentimento de que a chave do mistério está na pensão de Cora O'Shea, disse Pimentel. Bem, pode ser que eu esteja enganado. Possuímos tantas pistas, que é muito difícil escolher uma delas. O camarada é esperto, e até hoje não nos foi possível obter nem uma impressão digital dele sequer! Estavam nessa conversa, quando entrou barulhentamente na sala um dos quatro "homens de confiança" do Inspetor, agarrando um rapazinho pelo paletó. — Esse malandro estava na rua apanhando besouros com ar suspeito! disse ele, dando um forte safanão no rapaz, que era magro, pálido e estava mal vestido. — Deixe-o comigo, disse o Subinspetor. Depois de alguns minutos de perguntas e respostas, ficou provado que o menino era um pobre coitado, desnutrido e desempregado, que se divertia pegando besouros e fechando-os em caixas de fósforos vazias. Foi solto imediatamente. — Apareça no hospital depois de amanhã às nove horas, recomendou-lhe Alberto. O rapaz se achava visivelmente doente e Alberto, que, apesar de estar em férias, freqüentava o hospital duas vezes por semana, prometerá a si mesmo ajudar o infeliz. Alberto decidira visitar a pensão de Cora O'Shea sem dizer nada ao Inspetor. O pretexto era saber notícias de todos, uma vez que fizera boas relações com os moradores da casa. A realidade era bem outra, entretanto. O moço queria apenas sondar o ambiente. Aconteceu que Verônica se achava à janela de seu quarto, quando viu o estudante chegando. Num segundo, a moça entrou e fechou-lhe acintosamente a janela na cara. — Ferinha! murmurou Alberto entredentes, não sem uma certa vontade de rir. Coincidiu que era o aniversário de Mr. Graz, e Cora oferecia um jantar íntimo aos amigos, para festejar a data. — Chegou em ótimo momento, Mister Alberto! exclamou a irlandesa, satisfeita. Está intimado a jantar conosco. — Com todo o prazer, disse Alberto, fazendo, de brincadeira, uma funda reverência. O rumo que as coisas estavam tomando era o melhor possível. Cora chamou o estudante à janela e indagou discretamente em que ponto se achavam as investigações sobre o assassínio de Clarence. A irlandesa confiava em seus hóspedes e insistia em suspeitar do farmacêutico que preparara as cápsulas. — O jantar está na mesa, anunciou a copeira. — Verônica! Chamem Verônica! repetia Cora, afastando--se de seu convidado. — Está com dor de cabeça e mandou dizer que não vem jantar, disse Carlito, um menino de sete ou oito anos, filho da lavadeira. - "Pelo amor de Deus"! (*) - exclamou Sra. O'Shea. Logo hoje... Guardarei o prato dela. Pode ser que mais tarde se decida a comer. (*) Pelo amor de Deus! Alberto percebeu imediatamente que aquilo nada mais era do que uma desculpa para fugir dele, para desfeiteá-lo em suma. Distinto em seu terno de casimira inglesa, o alfinete de pérola fincado na gravata, Mr. Graz lançava olhares enternecidos para o leitão, triunfalmente estendido numa travessa de porcelana inglesa, cercado de rodelas de limão. — Não seria bom arranjar uma aspirina para Verônica? disse o suíço. É uma pena que ela não esteja aqui conosco. — Já providenciei um comprimido para ela, disse Cora. — Verônica está doente? indagou Mr. Gedeon, disfarçando a custo sua ansiedade. — Coisa sem importância, tornou Cora. Sabe, Senhor Alberto, temos hoje um outro motivo de festa. O Sr. Gedeon foi nomeado SuperintendenteGeral da firma em toda a América do Sul. O americano sorriu, agradecendo. — Espero que, com a boa sorte, não abandone os velhos amigos, continuou Cora, brincando. Bem sei que isso não acontecerá. Quando nada, por causa de uma "rostinha encantadora" (**) com duas covinhas... (**) lindo rostinho. Mr. Gedeon enrubesceu e sorriu desapontado, sem dizer nada. Alberto não gostou da brincadeira. Ele bem sabia que "charming little face" era aquela... Olhou para Mr. Gedeon, tonto de ciúme. Em seu desespero, foi atacado de um súbito sentimento de inferioridade e começou a examinar o... rival com uma minuciosidade mórbida. Não é que ele raspara o bigode e ficará bem atraente? Pela primeira vez, notara que os olhos de Mr. Gedeon possuíam uma cor cinza-esverdeada e uma expressão doce e romântica. E os dentes então? Alvos, enfileirados e iguaizinhos. O peito era largo e forte... especial para aninhar nele a frágil cabeça de Verônica... Que horror, meu Deus! A moça deveria estar louca por aquele homem! Ainda mais, agora, quando acabara de ser nomeado para um lugar tão importante... Alberto sentiu-se infeliz e miserável. De que lhe valia a vida sem o amor de Verônica? Durante o jantar, o pobre moço só via diante de si a figura silenciosa de Mr. Gedeon, cujas qualidades físicas o ciúme o fazia enxergar com lentes de aumento. Teve ímpetos de torcer-lhe o pescoço ali mesmo! Tomara que fosse ele o assassino... O Inspetor Pimentel recomendará-lhe que jamais falasse em insetos em parte alguma a fim de não levantar suspeitas. Ora, um dos defeitos de Alberto era justamente a indiscrição. Só Deus sabia o quanto estava sofrendo por não contar tudo a Verônica, ainda mais agora, que o segredo se pusera entre eles, separando-os. Elza, a copeira, surgiu com o prato de sobremesa, acompanhada pelo cozinheiro que servia de ajudante, trazendo champanha. Alberto teve uma tentação mais forte de tocar no assunto, e não resistiu:— Ando com mania de colecionar besouros, disse ele. Se arranjarem algum, guardem parum mim. Sugestão ou não, o fato é que o estudante sentiu como que um frio glacial derramar-se pelo ambiente. O Sr. Graz continuou silencioso; Mr. Gedeon olhou para baixo, um tanto perturbado. Elza parou no meio da sala e o copeiro improvisado — o cozinheiro — lançou para Alberto um olhar tão longo e "aterrado que o rapaz estremeceu. — Traiu-se, pensou o irmão de Hugo, emocionado. Razões tinha ele para julgar assim. Investigações feitas dias atrás haviam esclarecido, por exemplo, que o tal cozinheiro, além do mais, orientara, havia dois anos, uma revolta no Exército. Era pessoa de força de vontade e inteligência, acostumada a organizar e chefiar. Nesse instante, Carlito, o menino endiabrado, veio correndo e abriu de repente uma porta fechada que se comunicava com a sala, e que ficava bem em frente de Alberto. Uma surpresa aguardava os convivas. Sentada numa cadeira, lá estava uma mocinha, evidentemente a escutar a conversa atrás da porta... A jovem deu. um gritinho e saiu correndo para dentro. Vestia um pijama desbotado, trazia os cabelos enrolados e o rosto lambuzado de creme. Era Verônica. Todo mundo começou a rir. O riso de Alberto, entretanto, era diferente dos outros, pois havia nele qualquer coisa de vitoriosa ironia. — Bem feito! disse ele para si mesmo, "gozando" o fato de a moça ter sido vista por Mr. Gedeon numa situação tão grotesca... Três dias depois, o correio entregou em casa de Alberto um pequeno pacote, com o seu nome e endereço escritos em letra de forma. O estudante saía do banheiro quando o empregado lhe trouxe o embrulhinho. Sem suspeitar de nada — pois não tinha cabelos vermelhos —o moço abriu-o e... sentiu-se de tal modo perturbado que precisou sentar-se em cima de uma arca antiga para não cair. Dentro da caixinha não havia besouro algum, mas, sim, um pedaço de papelão, de uns três centímetros mais ou menos, no qual se achava pintado, em aquarela, um escaravelho vermelho com dois chifres. O contorno do... inseto estava cuidadosamente recortado, e, atrás dele, escrita em letra de forma, uma única palavra:"SILÊNCIO"

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