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Chapter 21 - O ULTIMO RUIVO

Passou-se um mês sem que nada de extraordinário ou de suspeito 

sucedesse. 

Alberto recebeu uma carta de Verônica na qual, entre outras coisas, ela 

dizia: "estou muito magoada e não pretendo voltar tão cedo para aí. Assim 

pelo menos, caso haja algum outro crime, vocês não poderão me culpar". 

O estudante teve ímpetos de ir procurá-la, de casar-se com ela quanto 

antes. Não era possível, no momento, fazer nenhuma dessas coisas, e ele 

teve de se contentar em lhe escrever longas e apaixonadas cartas. 

* * * 

Padre Afonso, que adorava plantas, fizera uma excursão de cinco dias a 

certo pequeno mosteiro no alto de uma montanha vizinha da cidade. Ali 

morava um frade seu amigo, grande entendido em assuntos de botânica. 

Saíam os dois pela manhã bem cedo, andando pelos campos, atrás de folhas 

exóticas e trepadeiras selvagens. 

Assuntos urgentes chamavam-no à paróquia, entretanto, e ele teve de 

voltar uma tarde, não sem pesar. 

— Já vieram mais de vinte pessoas procurá-lo, disse o sacristão ao vê-lo 

chegar. 

— Tomo um banho e vou logo para a capela. 

— Não vai jantar? 

— Não. Tomei chá com bolo muito tarde, e estou sem fome nenhuma. 

— Pus a correspondência em cima da cômoda, anunciou o sacristão. 

O Padre agradeceu e dirigiu-se para o quarto. Haviam chegado alguns 

jornais, uma carta de sua mãe, outra de um amigo que estava na Europa e... 

um pequeno pacote, com seu nome e endereço escritos a tinta, em letra de 

forma. 

Ao abri-lo, Padre Afonso teve um choque: dentro de uma caixinha, 

achava-se um pequeno escaravelho trespassado por um comprido alfinete 

fincado numa rolha. 

— O aviso! exclamou cie, compreendendo a significação daquilo tudo e 

examinando o besouro que tinha uma cor verde--escura, quase bronzeada... 

Que mundo de sugestões naquele pequeno inseto, meu Deus! Seco, 

embalsamado, transmitindo, em sua muda linguagem, uma mensagem de 

morte... de uma determinada morte... 

— Quando chegou o pacotinho? perguntou o Padre ao sa-cristão, que 

vinha entrando. 

— Há dois dias. 

O sacerdote ficou perturbado e saiu do quarto. 

Era urgente avisar Alberto pelo telefone, conforme ficara combinado. O 

Padre buscou a caderneta onde escrevera o número da casa dele e tentou 

fazer a ligação. Estava tão agitado, que discou errado. Da segunda vez, 

acertou, mas não conseguiu nada. O aparelho continuava, mudo, como que 

isolado... Insistiu novamente, sem resultado... Cheio de horror, então, Padre 

Afonso.percebeu que o telefone estava estragado! E não havia outro aparelho 

na vizinhança, o seu era o único do bairro... 

— Foi a tempestade de ontem! explicou o sacristão. Pálido e 

emocionado, o sacerdote pôs o rapaz ciente da situação. 

Para cúmulo da falta de sorte, antes de viajar, ele dispensara os "tiras" 

que o acompanhavam, tencionando avisá-los por telefone, logo que voltasse. 

E o aparelho não funcionava!... 

O sacristão era esperto e eficiente, procurou logo um meio de livrar-se 

do aperto. 

— Eu bem achava que o senhor devia ter saído da cidade há muito 

tempo! Disse-lhe isso logo que vi aquela história das cabeleiras vermelhas 

no jornal! 

— Seja o que Deus quiser, tornou o Padre. 

— Vou já até a pracinha a ver se encontro um automóvel que me leve ao 

primeiro telefone, disse o sacristão. Se for de bonde, perco muito tempo. 

Depois chegarei até a Polícia e trarei um batalhão inteiro, vai ver. 

— Ficarei em casa, com meu revólver no bolso, disse o Padre já quase 

calmo. Está muito escuro lá fora, e ficarei mais protegido aqui mesmo. 

— Pedirei ao dono da venda que venha lhe fazer companhia até eu 

voltar. 

— Não há necessidade, replicou o sacerdote. 

O sacristão mudou rapidamente a roupa e partiu. Padre Afonso entrou 

para o quarto, disposto a pôr os seus papéis em ordem, como um homem que 

sabe que vai morrer... 

*** 

Uma hora depois, na Polícia: 

— Arre, que enfim encontro os dois! exclamou o sacristão, aliviado, 

entrando na sala do Inspetor. 

— O que foi? Que aconteceu? perguntou este. 

— O besouro! 

— O besouro! repetiu Alberto, que ali também se achava. 

— Telefonei para sua casa e não o encontrei, disse o sacristão, agitado. 

— Não há tempo a perder. Vamos imediatamente para lá, decidiu o 

Inspetor, depois de ouvir o que o moço dizia. 

Em cinco minutos reuniu dez homens. 

— Você vem conosco no carro, disse Alberto ao sacristão. 

A paróquia ficava distante mais ou menos vinte quilômetros, o que 

significava meia hora de trajeto, aproximadamente. 

A noite estava escura, o céu pesado e embaçado. 

Viajavam todos em silêncio, como que conscientes da gravidade do 

momento. 

— Mais velocidade, chofer, recomendou o Inspetor. 

— Estamos perto, anunciou o sacristão. 

Uma inexplicável claridade apareceu de repente na distância. 

— Que é aquilo? 

— Parece incêndio. 

— E é mesmo! 

À medida que se aproximavam, o fogo foi se tornando mais visível, 

alastrando-se cada vez mais e atirando rolos de fumo pelo céu afora. 

— É na capela! gritou o sacristão, desesperado. 

— Na capela! Na capela! Depressa! 

A gente toda do bairro vinha correndo munida de jarros e baldes de água, 

numa vã tentativa de vencer as chamas. 

A igrejinha, toda construída de madeira, ardia, rapidamente, e o fogo 

crepitava com fúria. 

— Caiu a viga! exclamou uma criança apontando para um grande pedaço 

de madeira incandescente que desabava. 

O carro chegou afinal. 

— O Padre Afonso ficou lá dentro! gritou alguém, vendo o sacristão 

descer do carro. 

O dono da venda, enrolado num cobertor, tentava atravessar o fogo, a ver 

se conseguia salvar a vítima. 

O homem queimou-se todo e foi impossível continuar. 

— Já mandaram chamar o corpo de bombeiros! disse um menino 

descalço. 

E aquela gente toda, nada mais pôde fazer do que ficar estática, 

presenciando o terrível espetáculo. As chamas punham um reflexo vermelho 

nos rostos graves. 

Excitado, o homem da venda explicava ao Inspetor: 

— O sacristão pediu-me que fizesse companhia ao Padre e fui para lá. 

Alguns minutos depois, ele me disse que não era de seu feitio ficar em casa, 

sabendo que várias pessoas o estavam esperando na capela para se 

confessarem. Aconselhei-o a mandar chamá-las a fim de dar-lhes confissão 

em sua própria casa, mas ele não quis, dizendo que necessitava ir à capela de 

qualquer jeito. Cerca de meia hora, ou quarenta minutos depois, acontece 

isso... Com certeza, alguma vela caiu no chão... e... pronto! 

Quando o corpo de bombeiros chegou, pouca coisa pôde fazer. O fogo já 

havia destruído tudo. Logo em seguida veio o carro do Hospital do Pronto

Socorro com um médico e dois enfermeiros. 

As borrachas de água foram instaladas e o resto das chamas extinto. 

Os enfermeiros carregaram a maça e avançaram pelos destroços, 

procurando o cadáver do Padre. 

O silêncio era mortal, ninguém dizia uma palavra. 

— Encontramos dois corpos! gritou um dos enfermeiros. 

— Dois corpos? repetiram quase todos. 

— Achavam-se perto um do outro, disse o enfermeiro. 

— Com certeza o segundo corpo é o da pessoa que se achava 

confessando... 

Difícil enxergar, apenas com a claridade das brasas. Alberto e o Inspetor 

acenderam lanternas elétricas. 

O primeiro vulto que veio na maça estava irreconhecível, deformado 

pela queimadura. O segundo era, certamente, o do Padre. 

— Levem os despojos para a casa paroquial, mandou o Inspetor. 

E depois, virando-se para Alberto: 

— O "inseto" vai ficar desapontado, pois o fogo antecipou a sua tarefa. 

Aproximou-se uma mulher do povo com uma criança no colo. 

— Meu Deus! exclamou ela. Esse homem era um santo! Não faz uma 

hora que me confessei com ele. 

Muita gente chorava e um grupo de mendigos conversava, repetindo que 

Padre Afonso era um pai. 

Alberto aproximou-se de um dos corpos, emocionado, quando, 

repentinamente, teve sua atenção voltada para um alfinete de pérola, meio 

chamuscado pelo fogo. Reparando melhor nas feições do morto, teve uma 

grande surpresa: 

— Jean Graz! exclamou ele em voz alta. 

Mal acabara de pronunciar esse nome, ouviu uma algazarra na porta. 

— Idiotas! gritava uma voz grossa de homem. Que droga! Não estão 

vendo que minha mãe mora aqui perto!... Larguem-me! 

Entraram dois homens segurando o cozinheiro da pensão de Cora 

O'Shea, que se debatia nos braços deles. 

— Encontramo-lo rondando as vizinhanças! disseram os agentes do 

Inspetor. 

— Larguem-me! Larguem-me! repetia o homem. Pouco depois ficou 

verificado que a mãe do sujeito morava, realmente, por aqueles lados. 

— Isso não quer dizer nada, comentava um dos "tiras"... O Inspetor 

concordou com Alberto: o segundo morto não era outro senão o suíço 

professor de línguas. Sabia-se que se confessava freqüentemente com Padre 

Afonso, o que explicava sua presença naquele lugar. 

— Pobre homem! exclamou o Inspetor. 

— Vou à cidade tomar algumas providências, anunciou Alberto, 

retirando-se e entrando no carro. 

O "inseto" deveria andar por ali, atrás do Padre Afonso, com certeza, e o 

Inspetor decidiu mandar vigiar os caminhos, fazendo trazer à sua presença 

todos os que por lá passassem, fosse a pé ou de automóvel. 

Os guardas apanharam um bêbedo, que curtia sua embriaguez dando 

vivas ao Brasil em voz alta: depois um grupo de crianças que ia para a aula, 

numa escola noturna, e finalmente, dois passageiros num fuscão que vinha 

vindo da cidade. Esses não eram outros senão... Verônica e Mr. Gedeon! Ao 

vê-los, o Inspetor foi assaltado por súbito pressentimento: seriam eles dois o 

terrível "inseto"? Que teriam vindo fazer ali, aquele dia e àquela hora da 

noite? O fato é que ambos disfarçaram bem a surpresa. 

— Miss Verônica chegou inesperadamente, disse Phillip, e pediu-me que 

a levasse à Polícia a fim de conversar com o senhor. Fomos em meu carro, e 

lá disseram que deveria estar aqui. Como Miss Verônica volta amanhã 

mesmo para o interior, não quisemos perder tempo e viemos atrás de si. 

O Inspetor achou mal contada aquela história, mas disse com falsa 

naturalidade: 

— Estou à sua disposição. Antes de mais nada, já souberam da tragédia 

que tirou a vida do Vigário desta paróquia e a de Mr. Graz, amigo de vocês? 

Verônica deu um pequeno grito e perguntou com voz trêmula: 

— Mr. Graz? O que foi? Deus do céu! 

— Soubemos apenas do incêndio, disse Phillip, calmamente. 

O Inspetor contou-lhe em detalhe o que havia acontecido, omitindo, 

naturalmente, o caso do besouro que o sacerdote recebera. 

— Coitado de Mr. Graz! exclamou Verônica, chorando baixinho. Falava 

sempre nesse Padre, insistindo para que eu procurasse conhecê-lo. 

— Continuo às suas ordens, senhorita, disse o policial, provocando um 

esclarecimento. 

Verônica desejava saber em que ponto se achavam as investigações 

sobre os crimes do "inseto". Seu irmão viera à cidade a negócio, apenas por 

algumas horas, e ela aproveitara a companhia dele. 

— Nada de novo, tudo na mesma, afirmou o Inspetor, achando curioso o 

fato de nem ela nem Phillip se referirem aos cabelos vermelhos de Padre 

Afonso. Não o conheciam, ignoravam a circunstância, ou fingiam-se de 

inocentes? E era esquisita aquela coincidência de se reunirem ali todos os 

suspeitos da pensão: o cozinheiro, Mr. Graz, Phillip e Verônica... 

— Só falta a copeira, pensou o policial. 

— Onde está Alberto? perguntou Verônica. Disseram-me que ele tinha 

vindo para aqui... 

— Já saiu, tornou o Inspetor, sem explicar que o estudante breve estaria 

de volta. Sabia que se os dois se encontrassem, a situação ainda se tornaria 

mais grave, pois Alberto não teria olhos senão para ela... e cabeça para mais 

nada... 

A moça ficou pensativa, e pediu: 

— Por favor diga a ele que me telefone amanhã antes das sete. Volto de 

automóvel com meu irmão a essa hora. Preciso dormir cedo, e peço licença. 

Phillip e Verônica saíram sem perceber que dois homens seguiam atrás 

deles, encarregados de lhes vigiarem os passos. 

O Inspetor pediu ao sacristão o besouro que Padre Afonso havia recebido 

e guardou-o no bolso. 

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