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Chapter 15 - A Primeira Chama.

Fiquei atônito ao constatar minha afinidade com três dos quatro elementos primordiais: Terra, Ar e Fogo.

— Seria esta uma consequência de minha reencarnação? Possuiria eu mais afinidades que um indivíduo comum deste mundo? — ponderei, buscando uma explicação lógica.

Contudo, meras especulações não me levariam a lugar algum. Talvez, com o tempo, fosse relativamente comum que arcanistas desenvolvessem múltiplas afinidades. Não desejava cultivar um senso de superioridade infundado.

Não me interpretem mal; a descoberta de possuir três afinidades trouxe-me genuína satisfação. No entanto, uma apreensão sutil também se instalou. Intuí que tal peculiaridade poderia acarretar complicações futuras. Como Margareth mesma alertara: eu poderia transformar... ou destruir. E a destruição não figurava entre meus objetivos. Almejo apenas poder suficiente para proteger aqueles que me são caros.

Afastei tais pensamentos e dirigi uma pergunta direta a ela:

— Mestra... é comum que alguém possua mais de uma afinidade elemental?

Ela respondeu com um leve sorriso enigmático:

— Sim... e não. — fez uma pausa, aguçando minha curiosidade. — A maioria dos indivíduos manifesta afinidade com apenas um elemento. Possuir duas já é considerado acima da média, embora ocorra com relativa frequência.

Interrompeu-se, observando-me com seu olhar analítico característico, e então prosseguiu:

— Eu mesma possuo duas afinidades: Água e Fogo. Não por acaso, também exerço a função de curandeira. — Sua voz vacilou quase imperceptivelmente ao mencionar isso. Havia um peso não dito naquela simples afirmação, uma sombra em sua expressão que sugeria uma história mais profunda... mas senti que não era o momento apropriado para indagar.

“Posteriormente”, decidi internamente.

Ela retomou o tom professoral:

— Três afinidades já configura um evento raro. Não chega a ser matéria de lendas... mas é suficientemente incomum para causar espanto. E em seu caso particular... com uma afinidade tão pronunciada com o Fogo...

Silenciou por um instante, concedendo-me tempo para absorver a informação.

Sim... compreendi. Sou uma exceção à regra. E considerando minha própria reencarnação neste corpo — algo que anteriormente eu classificaria como pura fantasia —, aqui estava eu: Elian. Vivo novamente.

Uma questão premente surgiu em minha mente.

Será que meus pais e minha irmã... de minha vida anterior... também teriam reencarnado? Anseio por descobrir isso algum dia...

Margareth interrompeu minhas reflexões:

— Agora... nascer com afinidade nos quatro elementos... isso sim é um evento de extrema raridade. Quase lendário... não fosse pela existência de um exemplar nesta geração.

Agucei os ouvidos, esperando que ela continuasse. Contudo, ela se calou, o olhar perdido na distância, como se rememorasse algo de grande importância.

— Então existe de fato... um quadra-elementar? Alguém com domínio sobre os quatro? — pensei, genuinamente surpreso.

A dúvida persistia, então a chamei com o devido respeito:

— Mestra Margareth... — ela desviou o olhar do vazio e me encarou — ...quantos tri-elementares existem atualmente? E quantos... quadra-elementares?

Ela me fitou profundamente, como se ponderasse cuidadosamente suas palavras.

— Arcanistas com três afinidades... — disse com serenidade — ...costumam surgir cerca de cinco a cada século.

Seus olhos brilharam com um toque de orgulho ao me observar.

— Já os quadra-elementares... — ela suspirou — ...diz-se que nasce apenas um a cada milênio.

Um a cada mil anos? Isso beira o milagre. Não surpreende que sejam considerados lendas vivas.

E eu... mesmo não sendo *esse* um, já carrego a marca da raridade. Três afinidades. Uma delas, o Fogo, ardendo intensamente em minha alma.

Isto certamente me trará complicações... não tenho dúvidas.

Mas, adiando tais preocupações para o futuro...

Quem seria o quadra-elementar desta geração?

Para sanar essa questão, fiz o que me pareceu mais lógico: perguntei diretamente.

— Quem é o quadra-elementar?

Margareth fez uma pausa... quase teatral. Um leve sorriso delineou seus lábios, como se antecipasse minha pergunta.

— O Rei. — respondeu, com uma tranquilidade que acentuava o peso da revelação.

— O Rei? — repeti, incrédulo.

— Sim, ele mesmo. — confirmou com firmeza. — Ele nasceu com afinidade nos quatro elementos.

Ela fechou os olhos por um instante e respirou fundo, como se contemplasse a magnitude daquela verdade. Era desconcertante pensar que o homem mais poderoso do reino — o símbolo da ordem e da autoridade suprema — era também um dos seres mais excepcionais da existência arcana.

Talvez fosse essa a razão de sua realeza... ou talvez ele tenha ascendido ao trono precisamente por essa condição.

Contudo, não tive muito tempo para digerir essa informação. Margareth retornou ao presente, endireitou a postura e reassumiu seu papel de mentora.

— Bem... encerremos esta conversa por ora. — disse, retomando sua seriedade habitual. — Uma vez que descobrimos suas afinidades, a partir de agora iniciaremos seu treinamento prático.

Ela deu um passo à frente, o olhar focado e determinado.

— Mas antes... — continuou — preciso instruí-lo nos selos correspondentes aos três elementos com os quais você possui afinidade.

Estendeu a mão e conjurou diante de nós três círculos arcanos flutuantes — cada um ostentando uma cor distinta: vermelho vibrante para o Fogo, dourado terroso para a Terra, e branco cintilante para o Ar. Eles pulsavam suavemente, como entidades vivas.

— Cada selo é um portal. Um canal de comunicação com o elemento. — disse ela, com a voz firme, quase cerimonial. — Dominar os selos é o primeiro passo para moldar a realidade ao seu redor.

E ali, diante daqueles símbolos místicos, senti a primeira pulsação verdadeira do que viria a ser o meu destino.

★★★★

Após Margareth me apresentar os três selos na sala de afinidades, caminhamos juntos até o campo de treinamento. Era o mesmo local que ela havia me mostrado antes de me conceder a semana de descanso, situado nos fundos da mansão. O espaço era cercado por árvores altas, que pareciam formar uma barreira natural, mas possuía uma clareira ampla, adequada para a prática arcana sem restrições.

O ar ali possuía uma qualidade distinta, uma mescla do odor de terra úmida e folhas secas com uma tênue energia residual, como o eco de incontáveis feitiços lançados anteriormente.

— Não há uma ordem predefinida para o aprendizado — disse ela, olhando-me com firmeza. — Você pode iniciar tanto pelo Fogo, quanto pela Terra ou pelo Ar.

Fez uma breve pausa, avaliando minha expressão.

— Contudo... dada sua forte afinidade com o Fogo, iniciaremos por ele. É prudente confrontar logo a chama mais intensa.

Ela então deu um passo à frente e, com a elegância de quem executara aquele gesto inúmeras vezes, uniu as mãos em um movimento fluido. Uma palavra carregada de intenção ecoou em sua voz:

— Inflamma.

Runas invisíveis ao redor de suas mãos brilharam em vermelho intenso. Uma chama viva, dotada de aparente consciência, surgiu entre suas palmas, flutuando no ar.

Em seguida, ela juntou as mãos novamente e, com uma entonação mais grave, quase como um comando sagrado, declarou:

— Ignis Arcus.

A chama obedeceu, moldando-se. Do calor dançante emergiu a forma de um arco inteiramente constituído de fogo. Era simultaneamente belo e ameaçador. Com a mão esquerda, ela o empunhou firmemente. Com a direita, puxou uma flecha etérea, também de chama, que se materializou no ar como se sempre estivesse ali, aguardando ser utilizada.

Ela mirou um alvo de madeira posicionado a cerca de vinte metros. Inspirou. E soltou.

A flecha cortou o espaço com um silvo ardente, atingindo o alvo em cheio. No instante do impacto, uma explosão contida, porém potente, iluminou os arredores. Instintivamente, levei o braço aos olhos, protegendo-os do clarão. Uma onda de calor me atingiu como um sopro abrasador.

Quando tornei a olhar, o alvo havia desaparecido.

Em seu lugar, restavam apenas brasas e labaredas que dançavam sobre a terra enegrecida.

Nada mais havia ali. Apenas o testemunho silencioso de um poder real.

Margareth desfez o arco, que se dissipou em centelhas rubras no ar, e me encarou com serenidade.

— O Fogo é desejo, é criação... mas também é destruição. Ele responde prontamente à vontade, e é por essa razão que tantos se perdem em seu caminho. — Ela estendeu a mão em minha direção. — Venha. Está na hora de você aprender a invocá-lo.

Uma onda de excitação percorreu meu corpo ao ouvir que Margareth me ensinaria o selo do Fogo e minha primeira arte arcana prática. Meus olhos certamente brilharam. Por um instante, visualizei-me empunhando aquele mesmo arco flamejante. O poder. A chama. A precisão.

— Serei capaz de replicar o feito da mestra? — pensei, sentindo o coração acelerar.

Contudo, essa mesma excitação foi rapidamente sobrepujada por um sentimento mais sombrio: o medo.

E se eu me desviar dos ensinamentos?

E se este poder, em vez de me proteger, me corromper?

Sei que não hesitaria em tirar uma vida para proteger aqueles que amo... mas e se eu começar a encontrar prazer nisso? E se um dia eu não souber mais distinguir necessidade de satisfação?

Essas questões me atingiram como golpes. Senti-me vacilante, frágil, quase recuando fisicamente.

Então, como uma lembrança dolorosa e persistente, a imagem de minha irmã — de minha vida como Rodrick — tomou forma em minha mente. Nós dois, crianças, brincando no campo atrás de nossa casa. Seus risos. Minha mão segurando a dela.

Mas a imagem se distorceu. O cenário transmutou-se em pesadelo. E lá estava ela... suspensa pelo pescoço, como na noite fatídica em que a encontrei. A carta, fria e impiedosa, materializou-se em minhas mãos. Meus dedos tremeram involuntariamente, revivendo aquele horror.

Antes que o desespero me submergisse, outra imagem sobrepôs-se: Vivian. Minha irmã neste novo mundo. Sorrindo para mim, viva, inocente... confiante. A dor transformou-se em fúria. Não direcionada a ela, mas a tudo que eu *precisava* impedir que se repetisse.

Foi a voz de Margareth que me resgatou desse turbilhão.

— Elian. — sua voz era firme, mas continha uma nota de gentileza. — Não precisa temer seu poder. Você saberá discernir quando usá-lo e se suas ações foram justas ou não. Não nos prenderemos a dilemas morais neste momento... no tempo certo, você compreenderá.

Assenti em silêncio. Não havia necessidade de palavras — ela compreendia.

— Enfim, vamos ao aprendizado. — continuou, adotando um tom mais prático, como se mudasse o foco.

— O selo do Fogo é simples: — disse, demonstrando com as próprias mãos.

— Cruze as mãos à frente do peito. Os dedos médios devem tocar o centro da palma oposta. Os polegares se entrelaçam sobrepostos, e os indicadores apontam para cima, simulando chamas que ascendem.

Observei cada detalhe com atenção. A firmeza de seus dedos. A intenção em seu olhar. A harmonia do gesto.

— Logo após formar o selo, pronuncie: Inflamma. — instruiu ela com calma. — Se executar corretamente, sentirá sua runa, na mão esquerda, começar a aquecer.

Margareth fixou o olhar no meu.

— Não tema o calor. Ele não o queimará. É apenas o portal do Fogo se abrindo dentro de você. Sua energia purificada, proveniente do núcleo, se unirá à energia ambiente. O que ocorrerá em seguida... dependerá de sua vontade.

Inspirei profundamente. Meus dedos tremeram ligeiramente, mas não hesitei. Formei o selo, esforçando-me para reproduzir com exatidão o que ela havia demonstrado. Senti a tensão no ar ao meu redor — como se uma força invisível aguardasse minha palavra de comando.

Era minha vez.

— Inflamma. — minha voz soou mais firme do que eu esperava. Quase como se minha própria alma tivesse falado através de mim.

No mesmo instante, senti um calor brando surgir nas costas de minha mão esquerda, precisamente onde a runa da Centelha estava marcada desde o Despertar. O calor intensificou-se gradualmente, pulsando como se um pequeno coração batesse ali, em sincronia com o meu.

— Isto... — murmurei, franzindo levemente a testa.

Não era um calor comum. Não se assemelhava a tocar uma superfície quente ou à exposição prolongada ao sol. Era... vivo. Era como se algo despertasse dentro de mim, um espírito ancestral que sempre estivera adormecido, aguardando o comando correto.

A sensação foi se intensificando. O calor começou a se propagar pelos dedos, depois pelo pulso, subindo pelo braço como uma serpente ígnea. Senti minha respiração se acelerar, o suor brotar em minha fronte. E então, eu vi.

Uma pequena chama, trêmula, surgiu entre minhas mãos.

Ela dançava, incerta, como uma criança ensaiando os primeiros passos. Frágil. Aparentemente inofensiva. Mas estava ali. Minha chama.

Um sorriso involuntário surgiu em meus lábios.

— Você conseguiu. — disse Margareth com um leve sorriso de orgulho. — Essa é a sua centelha de Fogo. E ela é apenas o começo.

Mas antes que eu pudesse responder, a chama se agitou.

Ela cresceu abruptamente, como se incitada por algo dentro de mim — talvez a fúria residual, talvez o medo latente, talvez... a dor da lembrança. O calor tornou-se mais intenso. A chama, agora com tons vívidos de laranja e vermelho, crepitava com pequenas faíscas, quase como se estivesse irritada.

— Elian, controle. — alertou Margareth, aproximando-se um passo. — Ela responde à sua emoção. Se você perder o controle, ela consome.

Tentei respirar fundo, mas minha mente estava tumultuada. A imagem da carta... o som da corda... o sorriso de Vivian...

As emoções conflitavam dentro de mim. Quentes, violentas, desordenadas.

Fechei os olhos com força.

— Não. — sussurrei, para mim mesmo. — Esta chama não nasceu para destruir... ela nasceu para proteger.

Abri os olhos novamente e foquei na chama. Não tentei extingui-la. Tampouco a reprimi. Apenas... a acolhi mentalmente.

Como se respondesse ao meu gesto interior, a chama recuou, acalmando-se, tornando-se menor — porém mais estável. Clara. Firme. Seu crepitar irritado deu lugar a um murmúrio suave e aquecedor.

Margareth observou em silêncio por alguns segundos. Depois assentiu, satisfeita.

— Isto é domínio, Elian. Não se trata de força bruta, mas de intenção. Você possui poder, mas o que o tornará verdadeiramente forte... é saber quando queimar e quando apenas aquecer.

A chama, obediente, dissipou-se em um leve suspiro de calor, deixando um tênue odor de fumaça no ar.

A runa nas costas de minha mão esquerda ainda formigava, mas não de dor — era uma sensação de presença. Como se ela estivesse comunicando: *agora nos compreendemos*.

Olhei para a runa, depois para Margareth, e finalmente para o céu acima de nós. Pela primeira vez em muito tempo, senti que estava no caminho certo. Que talvez, apenas talvez, eu pudesse agir diferente desta vez.

— Estou pronto. — falei, com uma firmeza que surpreendeu até a mim mesmo.

— Veremos. — respondeu ela, com aquele leve sorriso enigmático e olhos que pareciam carregar séculos de segredos. — Porque o Fogo... apenas lhe mostrou a primeira de suas lições. Há um longo caminho a percorrer.

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