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Chapter 12 - A Queda

O salão parecia ter ficado menor.

As risadas, os cumprimentos, a música ambiente — tudo virou ruído de fundo. Soyeon não conseguiu tirar os olhos dele. Junho. Dois anos, e ainda assim... era como se o tempo tivesse se dobrado e eles fizeram ali, de novo, naquele mesmo ponto onde tudo havia parado.

Ele não viu de imediato.

Conversava com os pais, educado, discreto como sempre. Mas havia algo diferente. Estava mais alto? Mais sério? Os olhos olharam mais escuros — ou era só o reflexo da dor que ela queria não admitir?

Por um segundo, ninguém mais existia. A música parecia abafada, como se os dois estivessem dentro de uma bolha suspensa no tempo.

Junho desviou o olhar rápido, cumprimentando educadamente os presentes enquanto acompanhava os pais até uma mesa reservada. Mas sua expressão era diferente agora. Carregada. Havia algo preso por trás daquele breve contato visual — algo não resolvido.

Soyeon respirou fundo, tentando controlar o coração descompassado. Jiwon ainda estava ali, preocupada, mas respeitando o silêncio da amiga.

— Vai me dizer que isso não te abalou? — Disse em voz baixa, quando já estavam sozinhas de novo, observando de longe.

— Eu... não estava esperando por isso. — Soyeon passou a mão no cabelo, tentando se recompor. 

— Talvez esteja aqui por você.

Soyeon virou o rosto para encarar uma amiga, mas a resposta morreu antes de sair. Sabia que Jiwon estava apenas tentando ajudar, mas aquela ideia era perigosa demais. Iludia. Mexia em feridas que ela levou dois anos tentando esconder.

Enquanto isso, Junho sentou-se à mesa com os pais. De onde estava, ele a via. Não olhava diretamente, mas seus olhos a buscavam nos reflexos dos copos, no espelho do bar ao fundo, nas pausas entre um sorriso provocado e outro.

E então, por fim, seus olhos voltaram outra vez.

Dessa vez, ele não desviou.

Junho não conseguiu resistir por muito tempo.

Levante-se com calma, como quem vai apenas esticar as pernas. Seus pais continuam conversando, sem notar. Ele atravessou o salão lentamente, mas com os olhos fixos em um único ponto: Soyeon.

Ela o viu se aproximando. Cada passo dele parecia ecoar dentro do peito dela. Uma falha respiratória. Jiwon olhou de relance, entendeu tudo e se afastou discretamente, deixando os dois a sós.

— Junho... — disse baixo, educado, sem saber ao certo onde colocar as mãos. — Você veio.

— Eu não perderia sua formatura — respondeu, e havia algo na voz dele... uma calma forçada demais, como quem ensaia um reencontro há tempo demais.

Ficaram alguns segundos em silêncio. O olhar dele vasculhava o rosto dela como se procurasse marcas do tempo perdido, enquanto o dela desviava, inquieto.

— Está linda — ele disse, por fim.

Soyeon agradeceu com um aceno breve, o sorriso morrendo antes de se formar por completo. Ia dizer algo, talvez perguntando como estava a vida dele... mas foi interrompida.

— Filha, está quase na hora das apresentações! — a mãe de Soyeon chamou, animada, com os olhos brilhando de orgulho.

Ela concordou, se virando para Junho por mais um instante.

— Depois a gente conversa — murmurou.

Junho apenas pediu de leve, mas os olhos diziam outra coisa: ele não estava ali por acaso.

Minutos antes do início das apresentações, um movimento aumentou. Todos estavam se ajeitando em seus lugares, tirando fotos e rindo. 

Jiwon e Minjae e Soyeon sentaram-se juntos na fileira reservada aos formandos, enquanto o burburinho da festa começava a diminuir com o anúncio de que as apresentações se iniciariam em breve.

— Estranho... — murmurou Jiwon, olhando ao redor.

— O quê? — disse Minjae, virando-se para ela.

— Dohyun. Ele ainda não voltou. Enquanto procurava seu amigo, Jiwon observou que o professor substituto Park Seojun também sumiu. 

De fato o professor substituto não estava mais por ali. Apenas a mulher que o acompanhava mais cedo permanecia próxima à entrada, olhando insistentemente para o celular e para a porta, como se estivesse à espera de alguém.

— Ele deve já estar chegando — disse Minjae, tentando soar casual.

Antes que Jiwon pudesse responder, Minjae se levantou repentinamente e ajeitou a gola do blazer.

— Ele não costuma desaparecer assim…

Antes que pudessem continuar a conversa, um grito ecoou do lado oposto do salão. Um aluno entrou correndo pela porta, pálido, os olhos arregalados.

— Alguém caiu do terraço!

O silêncio caiu como uma onda sobre todos — um segundo de imobilidade, de incredulidade coletiva.

Depois, o caos.

Gritos. Celulares sendo sacados às pressas. Gente correndo. A ordem se desfez em segundos.

Jiwon gelou. Seus olhos encontraram os de Soyeon.

— Dohyun... — murmurou Soyeon, o rosto perdendo a cor.

O coração de Jiwon disparou. Sem pensar, levantou-se de um salto e saiu correndo junto com a multidão, o vestido esvoaçando, o som abafado dos gritos se misturando ao zumbido agudo em seus ouvidos.

Tudo dentro dela gritava por uma só resposta.

O corredor estava em alvoroço. Gritos e passos apressados ecoavam pelas paredes enquanto os alunos corriam em direção à saída. Jiwon sentia o coração batendo no peito como um tambor descompassado, os pensamentos em turbilhão. Ao seu lado, Soyeon a seguia, pálida, os olhos arregalados de medo. Minjae vinha logo atrás, sem dizer uma palavra, o rosto sério, quase sombrio.

Ao alcançarem o pátio externo, o som abafado da festa ficou para trás, substituído por um silêncio estranho — o tipo de silêncio pesado que vem antes de uma tragédia se confirmar.

Uma pequena multidão se aglomerava próximo à lateral do prédio. Jiwon forçou passagem, puxando Soyeon pela mão, e Minjae veio junto, sem hesitar. Quando os três conseguiram ver além das pessoas, pararam de imediato.

No chão frio de pedra, cercado por cacos de vidro e pétalas amassadas de um arranjo floral que caíra do alto, alguém jazia imóvel.

Jiwon levou a mão à boca. O choque percorreu seu corpo como uma descarga elétrica. A camisa azul clara. O tênis branco com detalhe verde. Ela reconheceria em qualquer lugar.

— Dohyun... — sussurrou.

Soyeon soltou um pequeno soluço e se agarrou ao braço de Jiwon. — Não... não pode ser...

Minjae ficou imóvel por um instante. Seu olhar ia do corpo ao terraço, depois para as amigas. Respirava fundo, como quem tentava controlar algo por dentro. Seus punhos estavam cerrados.

— Isso... isso não pode estar acontecendo — murmurou ele, finalmente.

Jiwon recuou um passo, os olhos fixos no corpo no chão, como se recusasse a acreditar. A sirene de uma ambulância começou a soar ao longe, invadindo o ar com sua urgência cortante.

Ela sentiu as pernas fraquejarem. Minjae, rápido, a amparou por instinto, segurando-a pelos ombros.

— Jiwon... olha pra mim. Respira — disse ele, com a voz baixa, firme, mas tensa.

Soyeon ainda segurava a mão da amiga com força. — A gente precisa saber... se é ele mesmo...

— Não tem como não ser... — Jiwon respondeu, num sussurro, sem tirar os olhos do corpo.

O mundo parecia em câmera lenta. Os sons estavam distantes, irreais.

Dohyun não voltara das apresentações.

Jiwon sentia o peso do mundo pressionando seu peito. A visão de Dohyun, estirado no chão, sem vida, a deixava paralisada, como se seu corpo tivesse congelado naquele momento. Ela tentou respirar fundo, mas o ar parecia denso demais, impossível de se ingerir.

Os outros ao redor pareciam distantes, borrados. Ela mal ouvia o tumulto crescente, os gritos abafados e as sirenes que se aproximavam. Só conseguia olhar para ele, seu amigo, o garoto com quem havia compartilhado risos, olhares e silêncios. E, agora, ele estava ali, imóvel, sem chance de despedidas, sem uma explicação, sem uma palavra.

A dor era sufocante.

Ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas, mas o peso da culpa a impediu de chorar no começo. Por que ele teve que partir assim? Ele não havia dito o que queria. Não havia dito o que queria dela. E o que ela, Jiwon, nunca teve coragem de perguntar.

A lembrança da última vez que ela o viu, tão distante, tão imerso em algo que ela nunca soubera, fez o peso no seu peito aumentar. O que ele queria lhe contar? O que ela poderia ter feito para mudar isso? Tudo aquilo parecia cruel demais para ser verdade.

Soyeon estava ao seu lado, seu rosto também marcado pelo sofrimento, mas Jiwon não conseguia mais se controlar. Ela deixou as lágrimas caírem, sentindo a dor da perda tomar conta dela de uma vez. As lágrimas rolavam livremente enquanto ela soluçava, tentando ao menos encontrar algum consolo, algum sinal de que aquilo era só um pesadelo do qual ela logo acordaria.

Ela olhou para Minjae, que permanecia em silêncio, sua expressão fechada. Mas Jiwon mal conseguia prestar atenção nele naquele momento. A dor era tanta, e o vazio tão grande, que ela não podia deixar de sentir o quanto a perda de Dohyun a deixava desmoronada. Ele não estava mais ali. E isso parecia não fazer sentido.

Os murmúrios aumentaram ao redor, mas Jiwon mal os ouvia. Ela sentia o peso do momento em cada centímetro do seu corpo. O vazio, a dor, a incredulidade. A confusão. Ela estava perdida. E só conseguia chorar.

Foi nesse momento que ela ouviu a voz da mulher que acompanhava o professor Seojun, tentando falar com um policial. A menção do nome dele, Seojun, trouxe um pequeno lampejo de lucidez à sua mente, mas logo foi eclipsado pelo grito angustiado de Soyeon:

— Jiwon, ele... ele não vai voltar... Não vai... — Soyeon se encolheu, desabando no ombro de Jiwon, com o rosto contorcido em dor. Ela chorava com ela, sem palavras. Só o som da dor que não podia ser contido.

Jiwon, ainda em choque, colocou os braços ao redor de Soyeon, tentando sustentá-la enquanto o seu próprio mundo desabava. Eles haviam perdido Dohyun. Para sempre.

O som das sirenes da ambulância e da polícia que chegavam agora soavam distantes e irreais. Nada mais importava naquele momento. Não havia mais tempo para explicações, nem para despedidas.

Apenas o lamento. E a dor de um amigo perdido para sempre.

As sirenes da ambulância e das viaturas cortaram o ar, um som agudo que parecia rasgar a realidade. O caos que tomara conta da escola começou a ser organizado por vozes firmes e ordens rápidas.

Paramédicos se apressaram até o corpo de Dohyun, mas bastava um olhar para entender: não havia mais nada a fazer.

— Por favor, afastem-se! — gritou um policial, abrindo espaço com as mãos estendidas. — Ninguém toca em nada até que terminemos a perícia!

Jiwon estava ajoelhada ao lado de Soyeon, o rosto molhado de lágrimas, os olhos fixos no corpo imóvel do amigo. Seu peito doía, como se alguém tivesse cravado um gancho no meio dele e puxado com força. A lembrança do último sorriso de Dohyun era como uma lâmina em sua mente.

— Ele queria me dizer algo… — sussurrou, mais para si mesma do que para as amigas. — Ele estava estranho… por que ele não falou?

Minjae, de pé ao lado delas, mantinha o olhar fixo à frente, a mandíbula contraída. Não chorava. Apenas observava em silêncio, como se ainda processasse o que acontecera.

Um choro desesperado rasgou o ar.

— MEU FILHO! NÃO! — era a mãe de Dohyun, que corria em direção ao local, sendo amparada por dois policiais. — DOHYUN!

O pai veio logo atrás, com os olhos arregalados e sem fôlego, como se o chão tivesse sumido sob seus pés. Ele caiu de joelhos ao lado da maca, o rosto tomado pelo desespero, tentando tocar o filho que já não respondia mais.

Jiwon se encolheu ao ver a cena, e mais lágrimas brotaram. Soyeon chorava ao seu lado, soluçando alto, e foi quando os tios dela e de Junho chegaram. A tia de Jiwon se ajoelhou, envolvendo as duas meninas num abraço protetor.

— Meninas, estamos aqui… meu Deus… — sussurrou, com os olhos marejados.

— Que tragédia… — murmurou o tio, puxando Junho para perto, como se instintivamente quisesse protegê-lo também.

Minjae desviou o olhar da cena, respirando fundo, os punhos fechados. Um tremor imperceptível percorreu seus ombros.

De repente, uma voz sussurrada chegou aos ouvidos de Jiwon.

— Foi o professor Park Seojun quem encontrou o corpo…

Ela se virou, ainda trêmula, e viu o professor ao longe, conversando com dois policiais e um coordenador. Seu semblante estava sério, mas sereno demais, como se já estivesse preparado para aquilo.

Jiwon franziu o cenho.

— Ele encontrou...?

Antes que pudesse pensar mais, um dos policiais se aproximou com semblante sério e olhar atento.

— Senhorita, você era próxima da vítima?

Ela assentiu com dificuldade, a voz presa na garganta.

— Sim...

— Vamos precisar do seu depoimento. Pode nos acompanhar?

Antes que ela respondesse, outro policial se aproximou de Minjae e Soyeon, que ainda estavam próximos, tentando entender o que havia acontecido.

— Vocês dois também estavam com a vítima hoje?

Minjae encarou o policial por um instante antes de assentir.

— Estávamos juntos mais cedo, sim.

— Então, por favor, nos acompanhem. Precisamos registrar os depoimentos de todos que tiveram contato recente com ele.

Jiwon se levantou com a ajuda de Soyeon, as pernas trêmulas. Minjae, calado, apenas a observava, como se medindo sua dor — ou escondendo a própria.

Enquanto era levada junto aos dois, Jiwon olhou uma última vez para o corpo de Dohyun, coberto pela lona. Um nó apertou sua garganta. Ele queria dizer algo naquela noite. Algo importante. E agora... era tarde demais.

Mas, mesmo em meio à dor, um incômodo novo surgia, quase imperceptível, mas impossível de ignorar.

Não fazia sentido.

E no fundo do peito, uma semente de dúvida começava a germinar.

Aquilo… realmente tinha sido um acidente?

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