Na manhã seguinte, os corredores da Torre de Essência estavam mais silenciosos do que de costume. Não pelo respeito à alvorada, mas pelo boato de que já se espalhou feito praga: James Hunter foi atacado durante a noite — e sobreviveu.
Lady Kaelya foi a primeira a convocá-lo. A Sala dos Ecos, onde a disciplina era medida em olhares e o silêncio era mais refinado que qualquer lâmina, foi tomada por quatro Mestres da Torre e dois representantes do Conselho Interno.
James manteve-se em pé, mesmo com os músculos ainda doloridos, e os acontecimentos o ocorridos. Sua voz era firme, mas carregava uma tensão latente.
— "Três conjuradores encapuzados. Usaram magia da Guilda Vermelha. Fui emboscado no corredor leste."
Um dos mestres, o severo Althur Vane, franziu o cenho.
— "E por que alguém o atacaria, aprendiz Hunter?"
James hesitou por um instante. As visões do segundo teste, a revelação do sangue antigo, o sussurro das águas na câmara submersa… ele sabia que despertava medo. Mas não pude provar.
— "Talvez… porque alguém queira que eu falhe."
Silêncio.
Foi então que a porta rangeu, e Elric Thandros adentrou a sala com a mesma naturalidade de quem atravessa um salão de banquete. Seus cabelos dourados pareciam capturar cada feixe de luz.
— "Confirmo o ataque. Cheguei no momento em que os conjuradores se recuperaram. Usei uma Disjunção Elemental para dispersar a névoa."
As sobrancelhas dos mestres se arquearam. Elric relatou interferência em assuntos de iniciados. O gesto foi notado.
— "Hunter pode não ser dos mais… refinados" — ele continuou, lançando um breve olhar para James — "mas seu potencial é visível até para um cego."
Lady Kaelya cruzou os braços, observando os dois. Por fim, ela falou:
— "A Torre não tolera ataques entre iniciados. A segurança foi comprometida. Iremos investigar."
Mas James sabia o que aquilo significava. A investigação cairia em camadas de burocracia e ritual de magia. Os culpados, se pegos, seriam apenas peões. Os verdadeiros instigadores permaneceriam nas sombras.
Ao sair da sala, Elric o acompanhou em silêncio. Só quando já estavam longe dos ouvidos encantados das paredes, ele quebrou o silêncio:
— "Você não é o primeiro a ser atacado. Só o primeiro a sobreviver e falar."
James parou.
— "Então por que ajudar?"
Elric o fitou de lado.
— "Porque você é uma rachadura na parede que todos achavam ser inquebrável. E isso… é interessante."
O silêncio entre eles não era desconfortável, mas carregado de possibilidades.
James sabia que ainda não podia confiar nele — mas talvez, naquele jogo de máscaras e segredos, o inimigo dos seus inimigos fosse, por ora, o único aliado possível .
E enquanto a névoa mágica voltava a rondar os limites da Torre, algo dentro do Coração de Myrkanis pulsou diferente.
Como se pressentisse… que a guerra não começaria com espadas, mas com sussurros.
