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Chapter 2 - O Primeiro Pesadelo

Lucian só conseguia ouvir o som de algo pesado sendo encaixado em uma máquina. Um zumbido grave e contínuo ecoava em seus ouvidos, como se o próprio mundo vibrasse ao seu redor.

As luzes vermelhas pulsavam ritmadamente, acompanhando os batimentos acelerados de seu coração.

A máscara em seu rosto apertava com força. O cheiro de metal, ozônio e um toque ácido preenchia suas narinas.

Ele estava afundando.

Não em água. Mas em algo mais denso. Mais cruel.

O branco diante de seus olhos se desfez como fumaça soprada por dedos invisíveis, revelando um céu noturno... onde as estrelas estavam mortas.

Ao seu redor, um campo de areia negra se estendia infinitamente. O ar era pesado. Quase sólido. Cada respiração exigia esforço.

Lucian estava de pé, ou algo próximo disso. Sua mente girava. As mãos tremiam.

> [Bem-vindo ao Primeiro Pesadelo. Prepare-se para o primeiro teste, Aspirante a Caçador.]

A voz não vinha de fora. Era dele mesmo, mas distorcida, como se ecoasse de dentro de um poço profundo.

À sua frente, três figuras surgiram lentamente, como sombras se arrastando da areia.

Humanas. Mas... erradas.

Uma tinha o rosto completamente liso, sem olhos ou boca. Outra flutuava levemente acima do chão, mas seu corpo se dobrava em ângulos impossíveis, como uma marionete quebrada. A última sussurrava algo ininteligível, e cada palavra fazia o próprio ar vibrar de dor.

Lucian deu um passo para trás.

— Isso… isso é só um sonho. Só um sonho... — tentou repetir para si mesmo, mas a própria voz soava distante.

As criaturas não esperaram.

A de rosto liso avançou com velocidade impossível.

Lucian gritou, instintivamente tentando invocar algo. Qualquer coisa. Mas não havia arma. Nem mana. Nem defesa. A coisa o alcançou.

E atravessou.

O corpo da criatura passou por ele. Ainda assim, Lucian sangrou profundamente. Ele fugiu. Tentou ativar o sistema, o "status", como via nas novelas ou nos relatos de outros Caçadores e Despertos.

Lucian caiu de joelhos.

O sangue escorria quente por seu peito, tingindo a areia negra como tinta sobre pedra.

A criatura o atravessara... e, mesmo assim, o ferira de forma brutal.

Sua respiração era curta. Cada inspiração doía como lâminas cortando de dentro para fora. O peito arfava, o corpo queria apagar. Mas sua mente gritava:

— Ativa o sistema... ativa... ativa! Palavras cuspidas entre dentes trincados. — Status! Interface! Código! Sistema de Caçador! QUALQUER COISA!

__________

Nome: Lucian

Rank: Aspirante

Atributos: --

Classe: --

Espírito: --

Memória: --

Aspectos: [Escravo da Morte], [Marcado pela Morte], [Marca da Divindade]

Tempo de Vida: 2h37min

Almas: --

> Descrição do Aspecto [Escravo da Morte]:

Você não treina. Você sobrevive.

Você não ganha poder. Você paga por ele.

Você não tem talento. Você é amaldiçoado.

__________

Lucian caiu para trás, pressionando o ferimento enquanto lia a tela flutuante diante de si.

A luz da interface era fria. Desumanamente negra.

As palavras, impiedosas.

> [Tempo de Vida: 2h37min]

— Isso... isso não é real. NÃO PODE SER!

Ele gritou, mas o som foi engolido pelo céu morto.

— Que porra é essa de tempo de vida? Isso não aparece em nada que eu vi! Nem nas notícias! E esse contador de alma? E que merda é essa de "sem talento"!?

O medo tomou conta. Seu coração disparava. O desespero o corroía.

A areia ao redor começou a vibrar, como se estivesse viva.

Lucian não teve tempo de pensar. As criaturas ainda o perseguiam. E o ferimento doía como fogo.

O gosto metálico do sangue não saía de sua boca.

Ele só podia correr.

Correr até não conseguir mais.

Correu por longos minutos, o mundo escuro e morto ao seu redor não dava sinais de fim. Até que, depois de quarenta minutos, avistou uma torre à distância.

Correu até ela.

Chegou exausto, mal respirando.

Diante de si, um templo em ruínas... e várias pessoas andando lentamente. Mas havia algo errado. Elas estavam acorrentadas.

Nos testes comuns de Caçadores ou Despertos, os iniciantes eram enviados a simulações para se tornarem guerreiros, magos, alquimistas… qualquer coisa que não morresse antes de ser "guiada". Mas com Lucian... era diferente.

Muito diferente.

— Isso não importa agora. Eu preciso sobreviver... e entender o que são essas Almas. E esse maldito tempo de vida.

Lucian ativou o sistema novamente.

[Tempo de Vida: 1h57min]

Engoliu o sangue acumulado na boca. O templo parecia um refúgio, mas os acorrentados eram tão anormais quanto as criaturas da areia negra.

Correntes se arrastavam no chão. Corpos esqueléticos. Rostos vazios. Gritos presos em bocas abertas.

Lucian se escondeu atrás de uma coluna destruída, pressionando o peito. O sangue diminuía, mas a dor persistia. Como se algo dentro dele estivesse se corroendo.

— Almas… Tempo de Vida...

O sistema não explicava nada. Nenhum tutorial. Nenhuma voz guia.

Somente informações cruéis flutuando diante dele.

— Se eu não tenho habilidades... então como eu sobrevivo?

Olhou os três Aspectos listados:

[Escravo da Morte] – Você paga por poder.

[Marcado pela Morte] – Mas o que isso significa?

[Marca da Divindade] – Isso soa importante... ou perigoso.

O tempo seguia diminuindo. 1h56min.

Observou os acorrentados. Ainda não o notavam. Mas se ele entrasse no templo, seria visto. Precisava de um plano.

— Sem habilidades... talvez eu precise roubar poder. Ou matar?

Lembrou-se de histórias de Caçadores que absorviam Monstros para evoluir. Mas como?

Olhou para seu ferimento. O sangue escorria, mas percebeu algo estranho.

A areia negra ao redor das gotas de sangue… tremia.

— A areia... reage ao meu sangue?

Antes que pudesse testar algo, o som de correntes se arrastando o fez estremecer.

Um dos acorrentados virou o rosto em sua direção.

Olhos vazios.

E então, como um sussurro em sua mente, uma voz ecoou:

[Você deseja negociar?]

Lucian quase gritou.

Negociar? Com o quê?

O acorrentado permaneceu parado. Mas as correntes em seus pulsos se ergueram, como serpentes negras.

Dê-me um fragmento de sua Alma... e eu lhe darei uma informação de poder.

Lucian hesitou. Suor frio escorria. A corrente flutuava. Faminta. Viva.

— E se eu recusar...? — perguntou com dificuldade.

A voz respondeu, fria como a morte, agora com um toque de... diversão:

[Se você recusar…]

As correntes se ergueram ainda mais, dançando no ar.

[…então será caçado por aquilo que rasteja sob este templo. E elas... não negociam.]

Lucian sentiu o estômago revirar. Algo sob seus pés se movia. Algo antigo. Faminto.

A areia vibrava. Um tremor lento. Uma presença ancestral despertava.

[Dê-me um fragmento de sua Alma, Aspirante. Você não tem talento. Não tem poder. Mas tem Alma. E ela... é moeda.]

Lucian cerrou os dentes. Queria correr. Dizer não. Gritar. Mas o tempo... o tempo estava acabando. E ele nada sabia.

Um fragmento da Alma... O que isso custava? Memórias? Emoções? A si mesmo?

Ficar na ignorância era aceitar a morte.

Respirando com dificuldade, encarou a figura acorrentada.

— Eu recuso. Eu não sei o que isso significa.

Silêncio.

O ar ficou denso. O mundo, pesado.

As correntes tremularam como se rissem.

Uma zombaria cruel.

A voz sussurrou novamente. Um toque morno, quase íntimo:

[Você escolheu a ignorância. Que ela o alimente... enquanto durar.]

CLANG.

As correntes despencaram no chão como serpentes derrotadas.

A figura acorrentada virou o rosto. O templo tremeu.

Lucian cambaleou para trás. Pressionou o peito, a dor queimava como fogo negro.

O contador surgiu novamente.

[Tempo de Vida: 1h54min]

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