O templo permanecia em silêncio.
Mas não era um silêncio morto.
Era um silêncio que respirava, que observava, que sentia.
O tipo de silêncio que se arrasta pela pele como um presságio.
Lucian tremia atrás de uma coluna rachada. Os joelhos falhavam. A dor em seu peito ardia no ritmo do próprio coração. O sangue havia secado em parte, mas o ferimento ainda pulsava — latejando como se algo tentasse nascer ali dentro.
> [Tempo de Vida: 1h54min]
[Peso da Alma: 27%]
A dor explodiu.
Afiada. Impiedosa. Viva.
Ele mordeu o próprio punho para conter o grito.
O templo não tolerava fraquezas.
Aquilo não era um teste.
Era um ritual.
E ele — o sacrifício.
A figura acorrentada permanecia imóvel. As correntes, silenciosas, dormiam sobre o chão como serpentes exaustas. Mas Lucian sabia. Aquela quietude era só o prelúdio. O aviso antes da sentença.
O ar mudou.
Tornou-se espesso, denso como lama espiritual.
As colunas respiravam. Sim, respiravam.
Expiravam o pó de séculos esquecidos.
As pedras sussurravam nomes que o tempo se recusara a perdoar.
E no centro do templo, sobre o altar ruído, ele viu.
Um fragmento.
Flutuava, emanando um brilho débil — quase uma lamparina no meio da escuridão.
Não era um artefato. Nem uma relíquia.
Era algo vivo.
Lucian sentiu antes de entender.
O coração se apertou. A respiração falhou.
A presença que emanava dali era insuportável: pesada, fraturada, antiga.
Desespero cristalizado.
Dor estagnada no tempo.
Uma emoção que recusava o esquecimento.
Ele deu um passo.
Depois outro.
E tocou.
O mundo tremeu.
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As Memórias não eram lembranças.
Eram pedaços de alma. Estilhaços de existência.
Quando um ser forte demais morria, parte dele se recusava a ir.
Ficava ali — suspenso. Ancorado no espaço entre o que foi e o que ainda sente.
Esperando.
Humanos, monstros, espíritos — todos deixavam rastros.
Às vezes, uma lembrança.
Às vezes, um segredo.
Às vezes... um grito.
Diziam que tocar uma Memória era como sentir o que o morto sentiu.
Como reviver um trauma que não era seu.
Lucian estava prestes a descobrir se isso era verdade.
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A luz pulsou.
E o mundo se abriu dentro dele.
Não viu — sentiu.
E o que sentiu tinha nome.
Maia.
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Ela era jovem quando os sussurros começaram.
Viviam nas Altas Terras de Ivenil, onde os rios cantavam nomes antigos e as flores se curvavam ao sol. Diziam que aquele era o mundo como deveria ser: vasto, sagrado, desperto.
Maia amava esse mundo.
Plantava com as mãos sujas de terra e sonhava com um futuro de colheitas.
Ria sob a lua com a irmã, dançava com os ventos, falava com os espíritos.
Nada a separava do sagrado.
Naquele dia, a brisa era doce.
O tipo de doçura que o tempo gosta de roubar.
Ela estava sentada no alto da colina, os pés descalços na grama úmida.
Lá embaixo, o vale dormia tranquilo — telhados vermelhos, campos dourados, o canto distante das águas.
O céu era tão vasto que parecia eterno.
Seu irmão Arian a chamou.
— Você está sonhando de novo, Maia.
Ela sorriu, estendendo-lhe uma fruta.
Ele pegou. Riram.
Simples. Vivo.
O tipo de instante que o universo destrói primeiro.
Ninguém sabia o que estava por vir.
Naquela noite, o céu não escureceu.
Ele sangrou.
Maia sentiu antes de ver — o calor mudar, o vento parar, o mundo conter o fôlego.
E então vieram as sombras.
Não do céu, mas do chão.
Surgiam como lembranças sujas, como lamentos libertos.
E ela correu.
Correu com a irmã nos braços.
Correu pelos gritos, pelas casas em chamas, pelas preces engolidas pelo vazio.
Arian ficou para trás, espada em punho, lutando contra o impossível.
Ela nunca soube se ele viveu.
Hoje, quando sonha, não vê o campo dourado.
Vê o céu vermelho.
O som das unhas arranhando madeira.
O sussurro do primeiro pesadelo dizendo:
— Lembre-se... você sempre soube.
Mas às vezes — só às vezes — ela sente o vento de novo.
E quase acredita que o mundo ainda existe.
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> [Memória Registrada: Maia – O Céu Queimado]
> [Peso da Alma: 33%]
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Lucian abriu os olhos.
O templo o engoliu de volta.
O ar era o mesmo — pesado, antigo. Mas agora, algo nele havia mudado.
A memória de Maia ardia sob sua pele como fogo líquido.
Ele a havia sentido morrer.
E viver.
E continuar presa.
> [Status: Ativado]
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Nome: Lucian
Título:
Rank: Aspirante
Núcleo: Dormente
Espíritos: —
Memória: 1/?
Tempo de Vida: 2h37min
Almas: —
Aspectos:
— Marcado pela Morte
— Marca da Divindade
— Escravo da Morte
[Você não treina. Você sobrevive.
Você não ganha poder. Você paga por ele.
Você não tem talento. Você é amaldiçoado.]
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Lucian não lembrava de ter se movido, mas já estava mais fundo no templo.
O ar era espesso e luminoso — uma mistura de poeira e alma.
O chão estava coberto de inscrições em uma língua antiga.
Com as mãos trêmulas, ele seguiu os símbolos até um mural.
Nele, havia uma criatura esculpida: lembrava um cavalo, mas com chifres e olhos cinzentos, eternamente abertos.
Era inquietante.
Mas não ameaçador.
Havia... melancolia naquela imagem.
No centro da sala, diante do altar, erguia-se uma estátua.
Uma mulher.
O rosto velado em tecido negro e roxo.
Nas mãos, uma foice e uma espada.
Mesmo sendo apenas pedra, ela era bela — terrivelmente bela.
E Lucian sentiu algo se mover dentro de si.
Não era devoção.
Era reconhecimento.
Como se a alma se curvasse antes que o corpo entendesse o motivo.
A mulher velada parecia observá-lo.
A foice que empunhava estava lascada, como se tivesse cortado algo que não devia.
A espada, fina e cruel, ainda reluzia em trevas silenciosas.
Lucian não ousou tocar.
Mas soube, sem entender por quê:
Ela sabia seu nome.
E o silêncio do templo — aquele silêncio vivo — agora o sussurrava de volta.
Lucian.