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Chapter 3 - Fragmento de Memória

O templo permanecia em silêncio.

Mas não era um silêncio morto.

Era um silêncio que respirava, que observava, que sentia.

O tipo de silêncio que se arrasta pela pele como um presságio.

Lucian tremia atrás de uma coluna rachada. Os joelhos falhavam. A dor em seu peito ardia no ritmo do próprio coração. O sangue havia secado em parte, mas o ferimento ainda pulsava — latejando como se algo tentasse nascer ali dentro.

> [Tempo de Vida: 1h54min]

[Peso da Alma: 27%]

A dor explodiu.

Afiada. Impiedosa. Viva.

Ele mordeu o próprio punho para conter o grito.

O templo não tolerava fraquezas.

Aquilo não era um teste.

Era um ritual.

E ele — o sacrifício.

A figura acorrentada permanecia imóvel. As correntes, silenciosas, dormiam sobre o chão como serpentes exaustas. Mas Lucian sabia. Aquela quietude era só o prelúdio. O aviso antes da sentença.

O ar mudou.

Tornou-se espesso, denso como lama espiritual.

As colunas respiravam. Sim, respiravam.

Expiravam o pó de séculos esquecidos.

As pedras sussurravam nomes que o tempo se recusara a perdoar.

E no centro do templo, sobre o altar ruído, ele viu.

Um fragmento.

Flutuava, emanando um brilho débil — quase uma lamparina no meio da escuridão.

Não era um artefato. Nem uma relíquia.

Era algo vivo.

Lucian sentiu antes de entender.

O coração se apertou. A respiração falhou.

A presença que emanava dali era insuportável: pesada, fraturada, antiga.

Desespero cristalizado.

Dor estagnada no tempo.

Uma emoção que recusava o esquecimento.

Ele deu um passo.

Depois outro.

E tocou.

O mundo tremeu.

---

As Memórias não eram lembranças.

Eram pedaços de alma. Estilhaços de existência.

Quando um ser forte demais morria, parte dele se recusava a ir.

Ficava ali — suspenso. Ancorado no espaço entre o que foi e o que ainda sente.

Esperando.

Humanos, monstros, espíritos — todos deixavam rastros.

Às vezes, uma lembrança.

Às vezes, um segredo.

Às vezes... um grito.

Diziam que tocar uma Memória era como sentir o que o morto sentiu.

Como reviver um trauma que não era seu.

Lucian estava prestes a descobrir se isso era verdade.

---

A luz pulsou.

E o mundo se abriu dentro dele.

Não viu — sentiu.

E o que sentiu tinha nome.

Maia.

---

Ela era jovem quando os sussurros começaram.

Viviam nas Altas Terras de Ivenil, onde os rios cantavam nomes antigos e as flores se curvavam ao sol. Diziam que aquele era o mundo como deveria ser: vasto, sagrado, desperto.

Maia amava esse mundo.

Plantava com as mãos sujas de terra e sonhava com um futuro de colheitas.

Ria sob a lua com a irmã, dançava com os ventos, falava com os espíritos.

Nada a separava do sagrado.

Naquele dia, a brisa era doce.

O tipo de doçura que o tempo gosta de roubar.

Ela estava sentada no alto da colina, os pés descalços na grama úmida.

Lá embaixo, o vale dormia tranquilo — telhados vermelhos, campos dourados, o canto distante das águas.

O céu era tão vasto que parecia eterno.

Seu irmão Arian a chamou.

— Você está sonhando de novo, Maia.

Ela sorriu, estendendo-lhe uma fruta.

Ele pegou. Riram.

Simples. Vivo.

O tipo de instante que o universo destrói primeiro.

Ninguém sabia o que estava por vir.

Naquela noite, o céu não escureceu.

Ele sangrou.

Maia sentiu antes de ver — o calor mudar, o vento parar, o mundo conter o fôlego.

E então vieram as sombras.

Não do céu, mas do chão.

Surgiam como lembranças sujas, como lamentos libertos.

E ela correu.

Correu com a irmã nos braços.

Correu pelos gritos, pelas casas em chamas, pelas preces engolidas pelo vazio.

Arian ficou para trás, espada em punho, lutando contra o impossível.

Ela nunca soube se ele viveu.

Hoje, quando sonha, não vê o campo dourado.

Vê o céu vermelho.

O som das unhas arranhando madeira.

O sussurro do primeiro pesadelo dizendo:

— Lembre-se... você sempre soube.

Mas às vezes — só às vezes — ela sente o vento de novo.

E quase acredita que o mundo ainda existe.

---

> [Memória Registrada: Maia – O Céu Queimado]

> [Peso da Alma: 33%]

---

Lucian abriu os olhos.

O templo o engoliu de volta.

O ar era o mesmo — pesado, antigo. Mas agora, algo nele havia mudado.

A memória de Maia ardia sob sua pele como fogo líquido.

Ele a havia sentido morrer.

E viver.

E continuar presa.

> [Status: Ativado]

---

Nome: Lucian

Título:

Rank: Aspirante

Núcleo: Dormente

Espíritos: —

Memória: 1/?

Tempo de Vida: 2h37min

Almas: —

Aspectos:

— Marcado pela Morte

— Marca da Divindade

— Escravo da Morte

[Você não treina. Você sobrevive.

Você não ganha poder. Você paga por ele.

Você não tem talento. Você é amaldiçoado.]

---

Lucian não lembrava de ter se movido, mas já estava mais fundo no templo.

O ar era espesso e luminoso — uma mistura de poeira e alma.

O chão estava coberto de inscrições em uma língua antiga.

Com as mãos trêmulas, ele seguiu os símbolos até um mural.

Nele, havia uma criatura esculpida: lembrava um cavalo, mas com chifres e olhos cinzentos, eternamente abertos.

Era inquietante.

Mas não ameaçador.

Havia... melancolia naquela imagem.

No centro da sala, diante do altar, erguia-se uma estátua.

Uma mulher.

O rosto velado em tecido negro e roxo.

Nas mãos, uma foice e uma espada.

Mesmo sendo apenas pedra, ela era bela — terrivelmente bela.

E Lucian sentiu algo se mover dentro de si.

Não era devoção.

Era reconhecimento.

Como se a alma se curvasse antes que o corpo entendesse o motivo.

A mulher velada parecia observá-lo.

A foice que empunhava estava lascada, como se tivesse cortado algo que não devia.

A espada, fina e cruel, ainda reluzia em trevas silenciosas.

Lucian não ousou tocar.

Mas soube, sem entender por quê:

Ela sabia seu nome.

E o silêncio do templo — aquele silêncio vivo — agora o sussurrava de volta.

Lucian.

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