Michelle agora dormia num quarto confortável, com lençóis macios e janelas que deixavam o sol entrar. Mas todas as noites, quando fechava os olhos, ainda sonhava com o frio do chão, com os gritos da rua e com o rosto da mãe a virá-la as costas.
Naquela manhã, acordou mais cedo. Sentou-se na cama e olhou ao redor. Sentia-se fora do lugar. Tinha comida, roupas, cuidado... mas algo dentro dela ainda estava preso no passado.
Durante o café, Enzo percebeu seu silêncio.
— Você teve pesadelos? — ele perguntou, com cuidado.
— Não foram pesadelos. Foram lembranças — disse ela, firme.
Enzo então sugeriu que ela conversasse com alguém. Levou Michelle a uma terapeuta do centro, uma mulher experiente chamada Dra. Helena. No início, Michelle resistiu. Mas ao longo da sessão, palavras começaram a sair como enxurrada: o abandono, a fome, os abusos, o medo.
— Eu não sou só a garota da rua. Mas também não sei quem sou sem essa dor — confessou Michelle, com os olhos marejados.
Dra. Helena segurou sua mão e respondeu com calma:
— É possível curar sem esquecer. Sua dor não precisa te definir, mas pode te fortalecer.
Naquela noite, Michelle escreveu pela primeira vez em um diário. Contou tudo. E ali, entre linhas tremidas, nasceu uma promessa silenciosa: ela não voltaria atrás. A partir daquele dia, começaria a buscar não só uma nova vida — mas uma nova identidade.