Kenji, ao entrar na casa de Yuna, foi recebido por um ambiente acolhedor. A residência era simples, com estrutura de madeira escurecida pelo tempo e janelas pequenas que deixavam entrar a luz amarelada do entardecer. Ainda assim, tudo estava limpo, bem conservado e organizado.
Os móveis, antigos mas polidos, traziam aconchego. Pequenos vasos com flores silvestres nas janelas reforçavam a ideia de um lar com zelo, em que, mesmo com poucos recursos, havia amor e respeito em cada detalhe.
Logo ao chegar, Kenji foi levado à sala e apresentado aos pais da garota. Yuna se adiantou com entusiasmo, o sorriso iluminando o rosto.
— Mãe, pai, esse é o Kenji.
— Ele contou que consegue carregar dois carros de uma vez, um em cima do outro.
Ryo, o pai de Yuna, riu com sinceridade e cruzou os braços de modo descontraído.
— Então você deve ser bem forte, não é, Kenji.
— Muito prazer, meu nome é Ryo.
— Ah… muito prazer. — respondeu Kenji, tímido, coçando a nuca e desviando o olhar.
Em seguida, Hana, a mãe de Yuna, aproximou-se com expressão gentil e curiosa.
— Então você é um transformado pela aura do planeta, não é, Kenji.
— Muito prazer, meu nome é Hana.
— É um prazer conhecê-la, senhorita Hana.
— Bom… na verdade, ainda não tenho certeza.
Durante a conversa, ficou claro que Hana tinha uma lesão permanente na perna, causada por um ataque divino na guerra antiga. Isso a impedia de realizar muitas atividades sozinha, mas ela transmitia firmeza e delicadeza ao mesmo tempo.
Com olhar preocupado, Hana perguntou.
— Kenji, de onde você é.
— Sua família deve estar preocupada com você.
— Ah, bom… na verdade, só tenho minha irmã.
— Ela tá doente por causa da Guerra dos Cem Anos e está internada no hospital.
Tocada pela sinceridade do garoto, Hana abaixou a cabeça por um momento e disse com doçura.
— Ah, Kenji… sinto muito, eu não sabia disso.
— Nesse caso, posso te dar um conselho?
— Sim, claro.
— Sempre proteja sua irmã.
— Ela te ama muito, e você precisa se esforçar para estar com ela.
— Mesmo doente, tenho certeza de que se preocupa com você.
— E, por favor, volte em segurança para ela.
— Quem se aventura em busca de poder fora das áreas seguras corre perigos demais… e você tem o olhar de quem tá decidido a ficar mais forte.
Naquele momento, Kenji relembrou o que vivera nos últimos dias. A violência, o medo, o sangue… e a promessa silenciosa que fizera a si mesmo. Não havia mais volta.
Ele agradeceu com um sorriso contido, mas sincero.
— Sim… muito obrigado pelo conselho, senhora Hana.
O tempo passou depressa entre conversas e chá quente e, como já era tarde, Kenji acabou passando a noite ali, longe do hospital e do centro. Sujo do trabalho e das andanças, recebeu um conjunto de roupas simples para vestir.
A noite chegou silenciosa e, depois de um banho aquecido com água do poço, Kenji se viu sozinho no banheiro, lavando o corpo cansado e pensando na bondade daquela família.
Ainda esfregava os cabelos quando, sem aviso, a porta se abriu. Yuna entrou com naturalidade, mas parou ao vê-lo.
— O que você está fazendo?!
Kenji pulou, apavorado, tentando se cobrir com a toalha.
— Você não sabe bater na porta, não é, maluca?
Yuna deu um passo para trás e sorriu, travessa.
— Seu tarado.
— Com esse silêncio todo, achei que não tinha ninguém aqui. — retrucou ela, dando de ombros.
Mais tarde, Hana avisou que Ryo havia saído para buscar mantimentos no centro e que voltaria em breve. Enquanto ela se afastava, Kenji olhou de lado e chamou Yuna em voz baixa.
— Ei, Yuna… tô pensativo com uma coisa.
— O que foi?
— É meio palpite, mas acho que seria bom a gente ir atrás do seu pai.
Yuna o encarou, surpresa.
— Por que essa ideia do nada?
— Não sei explicar.
— É só um pressentimento.
— Melhor irmos, por garantia.
Mesmo sem entender, Yuna decidiu confiar em Kenji. O tom dele estava sério demais para ignorar. Avisaram rapidamente a Hana que sairiam para dar uma volta, sem revelar o destino.
No caminho, Yuna decidiu levar Kenji até o Lago Toya enquanto esperavam o retorno de Ryo. Durante o trajeto, Kenji observava as árvores finas e as pedras gastas do chão de terra batida e perguntou.
— Por que sua família mora tão afastada da cidade?
— A família do meu pai sempre usou os campos daqui para plantar.
— Por causa da guerra, ele desistiu das plantações e foi trabalhar nas fábricas.
Kenji franziu o cenho.
— As fábricas de produção de armas?
— Sim.
— Meu pai e meu avô aceitaram o trabalho.
— Os deuses disseram que era um jeito da nossa família não se extinguir, de sermos úteis sem precisar morrer. — respondeu ela, com tristeza no olhar. — Me diz, Kenji… se a gente não aceita o que eles impõem, o que sobra?
— Depois de tudo, não acredito mais em finais felizes… ou em heróis.
Kenji parou e a olhou com seriedade.
— Mas você precisa acreditar.
— E como você tem tanta certeza.
— Por acaso é mais forte que deuses e demônios?
— …Na verdade, não.
— Mas prometo que um dia serei.
— E, quando esse dia chegar, vou libertar sua família.
O vento soprou entre os dois. A brisa mexeu os cabelos de Yuna. Por um segundo, seu rosto corou. Ela tentou disfarçar com um sorriso debochado.
— Idiota… não fique dizendo essas coisas pra uma garota.
— Eu posso acabar acreditando nas suas palavras.
Apesar do tom brincalhão, havia um brilho diferente nos olhos dela — tristeza misturada com esperança.
Ao chegarem à cidade, foram direto à venda de alimentos e encontraram Ryo se preparando para sair.
— Viu, Kenji.
— Eu disse que tava tudo bem. — comentou Yuna, aliviada.
Kenji pensou, mas guardou para si.
“Na verdade, você não disse nada.” Mesmo assim, também ficou aliviado.
Ryo se virou, surpreso.
— O que vocês estão fazendo aqui?
Kenji se adiantou.
— Me desculpe.
— Não brigue com a Yuna, por favor.
— Eu tive um sentimento ruim e achei que algo pudesse acontecer com o senhor.
— Por isso viemos.
Ryo riu leve e pousou a mão no ombro de Kenji.
— Agradeço a preocupação.
— Foi bom ter você com a gente, mesmo por um dia.
— Você é um bom rapaz.
— Obrigado por tudo.
Kenji sorriu, constrangido. Estava prestes a responder quando sentiu algo… uma presença.
Seu corpo enrijeceu. O arrepio familiar subiu pela espinha. Sede de sangue.
Yuna já saía da loja quando foi segurada pelo braço.
— O que aconteceu? — perguntou, confusa.
Kenji levou o dedo aos lábios e sussurrou.
— Shhh… não sai ainda.
— Tem alguma coisa errada.