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Chapter 8 - Capítulo 7 – Dois Meses Sob o Mesmo Céu

O tempo é estranho quando se vive entre o som do vento e o ritmo do próprio coração.Dois meses se passaram desde que Lucius e os outros deixaram a última aldeia.Dois meses em que o mundo deixou de ser um lugar hostil e se tornou um caminho de aprendizado.

Durante o dia, o sol queimava as planícies e a poeira grudava na pele, mas ninguém reclamava.À noite, o grupo se reunia em volta da fogueira — Lucius com o olhar distante, Friaren praticando magia em silêncio, Lyara afiando sua lança e as gêmeas brincando com Aurus.O lobo havia crescido.A pelagem agora tinha reflexos prateados, e o olhar carregava uma inteligência nítida, quase humana.Em certos momentos, Lucius achava que ele compreendia cada palavra dita ao redor do fogo.

Lucius havia evoluído.Seu douqi estabilizou-se no nível 2, mas o corpo e a mente se fortaleciam além do comum.Treinava todas as manhãs, manipulando a gravidade com poder mágico para aumentar a resistência muscular.Seu corpo reagia, lentamente se adaptando à pressão.Cada passo tornava-se mais firme, cada movimento, mais consciente.

Mas ele também sabia que o progresso físico não bastava.O mundo dos guerreiros e magos era vasto, e apenas compreender o poder não era o mesmo que usá-lo.Ele precisava de técnica.E técnica, apenas o tempo e o estudo podiam oferecer.

Friaren, por sua vez, florescia como maga.Seu controle sobre o relâmpago e a água tornou-se refinado, e Lucius notou que ela já conseguia alternar entre os dois elementos com leveza.No início, a menina ainda se cansava rápido, mas agora podia manter feitiços simples ativos por horas.

Certa noite, enquanto acampavam à beira de um rio, Lucius a observou meditar sobre a superfície da água.As correntes refletiam relâmpagos tênues que dançavam sobre o líquido, sem tocar o solo.Era uma imagem calma — como se o trovão tivesse aprendido a respirar.

"Você está ficando boa nisso," ele disse.

Friaren abriu um olho, sem quebrar a concentração."Não é tanto o poder... é o ritmo. A mana é como música. Se forçar a melodia, ela desafina."

Lucius sorriu. "Falou como uma verdadeira maga."

Lyara também havia mudado.O olhar dela, antes pesado e desconfiado, tornara-se calmo.Lucius a ensinava a manipular o douqi de forma mais refinada, concentrando energia nas articulações, aprendendo a reforçar cada golpe.Ela era naturalmente talentosa — uma guerreira nascida para o combate — e em pouco tempo já superava a maioria dos soldados comuns.

As noites traziam discussões filosóficas, muitas vezes guiadas pelas perguntas das gêmeas, Nira e Naya."Lucius, o que é ser forte?""É ser capaz de proteger sem se perder."

"E o que é magia?""É quando o mundo te escuta de verdade."

As crianças riam, sem entender completamente, mas absorvendo cada palavra como se fosse verdade absoluta.

O grupo atravessou florestas, campos e pequenos vilarejos.Evitaram conflitos quando podiam, mas enfrentaram alguns monstros menores no caminho — lobos sombrios, javalis de ferro e até um pequeno dragão de colina.Aurus participou ativamente dessas batalhas, mostrando reflexos sobrenaturais e uma ferocidade disciplinada.Em um desses confrontos, quando um javali quase atingiu uma das gêmeas, o lobo reagiu com velocidade absurda — suas garras se envolveram em sombras e vento, rasgando o ar.Lucius sentiu, naquele instante, que a linhagem adormecida de Aurus havia despertado de vez.

Depois da batalha, ajoelhado ao lado do companheiro, ele percebeu a diferença no fluxo da alma."O seu poder... amadureceu," disse.O lobo o olhou fixamente, respirando fundo."Lobo das Sombras Celestes..." murmurou Lucius, lembrando-se de um fragmento de memória herdado de um antigo guerreiro.Uma linhagem perdida — uma besta que dominava vento e escuridão em equilíbrio.

Aurus rosnou baixo, como se confirmasse.

Quando completaram dois meses de viagem, o horizonte mudou.As montanhas deram lugar a colinas suaves e, ao longe, começaram a surgir torres e muralhas.A cidade de Valen, conhecida por seus guerreiros e comércio de metais, erguia-se diante deles.Era um centro regional — não tão vasto quanto uma capital, mas grande o suficiente para abrigar guildas, mercados e rumores.

Lucius parou por um momento, observando as muralhas banhadas pelo pôr do sol."Chegamos," disse, em tom neutro.

Friaren olhou para a cidade, curiosa."Você acha que encontraremos magos lá?"

"Poucos," respondeu Lucius. "Mas às vezes, um só mago pode mudar o destino de uma cidade inteira."

Lyara sorriu, ajeitando a lança no ombro."Então veremos o que o destino guarda para nós."

E assim, com passos firmes e olhos voltados para o desconhecido, o grupo atravessou os portões de Valen.Atrás deles, dois meses de estrada.À frente, o início de algo muito maior.

...

O portão de Valen erguia-se diante deles como um colosso de pedra e ferro.Guardas em armaduras polidas patrulhavam o caminho, e o som de martelos ecoava ao longe — o som de uma cidade que respirava metal e suor.

Lucius caminhava à frente, o olhar atento.Cada passo ecoava sob o solo pavimentado, um contraste com as estradas de terra dos últimos dois meses.Friaren observava tudo com curiosidade quase infantil — os vendedores gritando, as carroças lotadas de minério, os guerreiros exibindo cicatrizes como medalhas.Para ela, tudo era novo.

Lyara, porém, manteve a expressão cautelosa."Cidades... sempre me deixam inquieta. Muitos olhos, muitas intenções."

Lucius assentiu levemente. "E é por isso que precisamos observá-los antes de sermos observados."

Aurus caminhava ao lado, a pelagem negra e prateada chamando atenção.Alguns passantes desviavam o olhar, outros se afastavam.Um lobo daquela estatura e presença não era comum — e menos ainda um que andava obediente sem coleira.

Ao entrarem no mercado principal, foram engolidos por um mar de vozes.Barracas com armas, frutas, ervas e peles de besta mágica.Guerreiros com espadas enormes e torsos nus disputavam clientes.Vendedores exaltavam suas mercadorias com vozes roucas e cheias de orgulho.

"Essa cidade parece viva," comentou Friaren, encantada.

"Está viva," respondeu Lucius, analisando tudo com calma. "Mas não é um tipo de vida que cresce — é uma que consome."

"Consome?"

"Sim. Pessoas, recursos, sonhos.As cidades são o reflexo do desejo humano... e desejo demais, quando não guiado, vira fome."

Friaren o olhou, pensativa. "Então... o que você vê aqui?"

Lucius observou um grupo de guerreiros rindo em uma taverna próxima.As risadas eram sinceras, mas os olhos — vazios."Vejo força sem propósito," respondeu. "Homens que lutam por moedas, mas nunca por si mesmos."

O grupo decidiu descansar em uma estalagem simples.Lucius pagou as diárias com algumas moedas que haviam conseguido trocando materiais de monstros mortos.Lyara cuidou das crianças, Friaren saiu para explorar a vizinhança, e Lucius subiu até o telhado do prédio.

De lá, a cidade se estendia até o horizonte.Chaminés lançavam fumaça, guerreiros treinavam em praças, e as pessoas viviam presas a um ritmo constante — nascer, lutar, morrer.

Lucius apoiou o queixo sobre as mãos e murmurou:"Em todos os mundos, os humanos continuam iguais..."

O vento soprou, e ele se lembrou do motivo que o movia desde o início:os humanos tinham o maior potencial de todos, mas poucos sabiam o que fazer com ele.

Talvez... fosse hora de criar um espaço onde isso pudesse florescer.

Naquela mesma noite, sentado à mesa com Lyara e Friaren, ele comentou o que havia pensado.

"Vocês já repararam," começou Lucius, "como todos aqui parecem lutar por algo... mas sem entender o que estão defendendo?"

Lyara arqueou uma sobrancelha. "Na guerra, não há tempo pra pensar. A maioria luta porque precisa comer."

"E se houvesse um lugar," continuou ele, "onde as pessoas pudessem lutar... por escolha?Um lugar onde guerreiros, magos, curandeiros e até artistas pudessem crescer sem servir a reis ou nobres?"

Friaren olhou para ele com curiosidade."Um lugar como... uma família?"

Lucius sorriu."Exatamente. Mas não de sangue. Uma família de propósito."

"E como chamaria esse lugar?"

Lucius ficou em silêncio por um instante, olhando o fogo da lareira.A chama tremeluzia, refletindo nos olhos dourados de Aurus.

"Uma... guilda," respondeu. "Um espaço onde a força serve ao sonho, e o sonho dá forma à força."

Lyara franziu o cenho."'Guilda'? Nunca ouvi essa palavra."

"Então será a primeira," disse ele, convicto. "E o nome... ainda virá com o tempo."

No dia seguinte, Lucius passou a explorar a cidade.Visitou ferreiros, bibliotecas pequenas e campos de treinamento.Percebeu que havia muitos guerreiros, mas pouquíssimos magos.A maioria das pessoas sequer sabia como começar o cultivo mágico — os livros eram raros e caros.

Em uma loja empoeirada, um velho mago o observou de longe, curioso com o brilho calmo nos olhos do garoto."Você tem uma alma diferente," disse o ancião. "Mas cuidado, menino. Neste lugar, o conhecimento é mais perigoso que a lâmina."

Lucius apenas sorriu."Então é exatamente o tipo de perigo que eu quero enfrentar."

À noite, de volta à estalagem, Friaren comentou, empolgada:"Eu vi um mural com anúncios de trabalhos! As pessoas contratam guerreiros para missões — caçar bestas, proteger caravanas..."

Lucius a ouviu, pensativo."Isso é interessante... um sistema já existe. Só falta propósito."

"Você quer unir essas pessoas?"

"Quero dar a elas um motivo para acreditar no que fazem," respondeu ele."E talvez... esse seja o primeiro passo para mudar este mundo."

Aurus rosnou baixo, como se aprovasse.As chamas da lareira se ergueram, e, por um instante, Lucius sentiu que o universo escutava.

...

Os dias em Valen passavam como o ritmo de uma forja: constantes, firmes, cheios de ruído e calor.Lucius observava, aprendia, e analisava — o mundo dos adultos parecia regido por regras invisíveis, todas girando em torno de sobrevivência e lucro.

Ele percebia isso ao ouvir conversas nas tavernas, nas filas de comerciantes, e nos murmúrios das praças.Valen era um lugar onde a honra era medida pelo ouro, e a força, pelo número de cicatrizes.

Mas algo começou a lhe chamar atenção: os murais de pedidos, onde guerreiros e caçadores vendiam seus serviços.Pequenos pergaminhos presos com cera, oferecendo moedas em troca de coragem.

Certa manhã, enquanto Friaren estudava um grimório velho que haviam comprado de um mago local e Lyara treinava as gêmeas no uso de lanças curtas, Lucius aproximou-se do mural principal.Seu olhar percorreu as dezenas de contratos até parar em um que parecia esquecido:

"Desaparecimento de caravanas na Estrada do Sul.Suspeita de bestas mágicas.Recompensa: 40 moedas de prata."

"Parece simples, mas ninguém quer ir," comentou um homem alto, de barba grisalha, ao notar o interesse do garoto."Três grupos já tentaram, e nenhum voltou inteiro. A estrada está amaldiçoada."

Lucius virou o rosto para ele, calmo. "Ou está mal compreendida."

O homem riu. "Você fala como um mago, garoto. E magos não sobrevivem em florestas amaldiçoadas."

Lucius sorriu levemente. "Talvez o segredo seja não lutar contra a maldição... mas entendê-la."

Naquela noite, ele se reuniu com o grupo.Friaren, Lyara, as gêmeas e Aurus o ouviram com atenção."Essa missão é perigosa," começou ele, "mas necessária. Se queremos começar algo novo, precisamos de um primeiro passo real. Algo que mostre às pessoas o que somos capazes de fazer."

Lyara cruzou os braços. "Você quer enfrentar o que matou guerreiros veteranos?"

"Não," respondeu ele, com serenidade. "Quero entender o que os matou."

Friaren apoiou o queixo na mão, pensativa."Você quer transformar uma missão de caça... em um aprendizado."

Lucius assentiu. "Cada passo é um ensaio para o que virá depois."

Dois dias depois, o grupo partiu.O vento carregava cheiro de chuva, e as árvores da Estrada do Sul eram altas o bastante para bloquear o sol.Aurus caminhava à frente, farejando o ar. Seu corpo estava mais robusto, e o brilho das pupilas indicava que sua linhagem despertada o tornara mais que um simples lobo.

Enquanto caminhavam, Friaren absorvia lentamente a energia mágica ao redor.Lucius observava, corrigindo sua postura e ritmo."Respire como se o mundo respirasse junto. O poder elemental não é algo que você força — é algo que você convence a te acompanhar."

Friaren sorriu, os olhos tranquilos."Quando você explica, tudo parece simples."

"Porque é. As pessoas complicam o que a alma já entende."

No quarto dia de viagem, o grupo chegou ao ponto onde a estrada se dividia em duas.Ali, a névoa se erguia densa e fria, e o silêncio pesava.Lucius estendeu a mão, sentindo o ar."Há poder aqui. Fraco, mas... distorcido."

Lyara desembainhou a espada. "Magia?"

"Não... algo pior. Uma fusão malfeita entre magia e morte."

Eles seguiram com cautela.E então, o chão tremeu.Um rugido ecoou, gutural, profundo — uma mistura de dor e raiva.Da névoa, surgiu uma criatura que outrora fora um urso mágico, mas agora estava corrompido.Os olhos brilhavam em vermelho, a pele partida em rachaduras por onde mana vazava em chamas escuras.

"Friaren, mantenha distância. Lyara, proteja as gêmeas," ordenou Lucius, com voz firme.Aurus rosnou, os pelos eriçados.

Lucius ergueu as mãos, e relâmpagos se formaram em espirais delicadas — não violentas, mas precisas, como agulhas de luz.Sua alma poderosa lhe permitia controlar o poder mágico com uma precisão que magos mais velhos invejariam.

"Vamos testar o que aprendemos."

Ele disparou uma sequência de raios concentrados, mirando as articulações da criatura.Os ataques atravessaram a névoa e atingiram pontos críticos, forçando o monstro a cambalear.Mas ele não caiu.Avançou com força brutal, e Lucius teve que saltar para o lado, girando no ar.

O solo rachou onde o urso bateu.Friaren reagiu com velocidade — conjurou um anel de chamas finas ao redor das patas da criatura, retardando seus movimentos.

Lucius aproveitou a brecha.Com uma mão, conjurou uma esfera de gravidade, comprimindo o ar ao redor do peito do monstro.Com a outra, canalizou relâmpagos até a mão direita — e, em um movimento suave, o golpeou no centro da esfera.

O impacto fez o chão vibrar.O urso soltou um último rugido, e então desabou.

Silêncio.O grupo permaneceu atento por alguns segundos, até que Friaren suspirou e baixou as mãos."Terminou."

Lucius se aproximou lentamente da criatura caída."Não era um monstro natural," murmurou. "Foi... corrompido por uma alma remanescente. Talvez o resíduo de algum mago fracassado."

Ele fechou os olhos e tocou a testa do urso, absorvendo a alma fragmentada.O fluxo foi leve — uma lembrança de dor, solidão e fúria.

Quando terminou, sussurrou: "Descanse. Agora você não precisa mais lutar."

De volta à cidade, entregaram o relatório ao posto de mercenários.O inspetor os observou, impressionado."Vocês... eliminaram o urso da névoa? E só vocês?"

Lucius assentiu, sereno."Não o eliminamos. O libertamos."

O homem franziu o cenho, sem entender, mas entregou a recompensa.Enquanto o grupo se afastava, Lucius ouviu os sussurros começarem:"Quem são eles?""Um garoto e um lobo?""Dizem que o mago é uma criança com olhos de relâmpago..."

Lucius apenas sorriu.As sementes haviam sido plantadas.

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