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Chapter 61 - Capítulo 61 – Velhos, fracos, doentes e aleijados

O Bodisatva Profano, tomado por uma fúria incontrolável, encaixou novamente a cabeça no corpo e partiu em perseguição. Cada passo fazia a terra estremecer e as montanhas vibrarem. Era incrivelmente rápido — um único passo seu equivalia a vinte dos passos de Chen Shi e dos outros. Mesmo com os selos de armadura espiritual ativados, se corressem em linha reta, jamais o superariam.

Por sorte, estavam no Monte Qianyang, um terreno acidentado e traiçoeiro, cheio de penhascos íngremes, ravinas profundas e florestas densas. O demônio podia ser veloz, mas os três aproveitaram as vantagens do terreno para despistá-lo várias vezes.

Mesmo assim, ele era implacável — encontrava suas trilhas de tempos em tempos, voltando a caçá-los.

Quando o poder dos selos estava prestes a se esgotar, Chen Shi, carregando Jin Hongying nas costas, se enfiou em uma caverna. O Caldeirão Negro e Li Tianqing logo o seguiram. Dentro, viram Chen Shi virar e dobrar pelos túneis com extrema familiaridade — claramente não era a primeira vez que percorria aquele caminho.

O lugar era um labirinto natural, o que fez o coração de Jin Hongying e Li Tianqing apertar. Se tivessem entrado sem guia, certamente se perderiam até a morte sem jamais encontrar a saída.

‘Esse Chen Shi devia ser um moleque terrível quando criança... até essas cavernas perigosas ele explorava. Se fosse meu irmão, eu teria quebrado o traseiro dele!’ — pensou Jin Hongying.

As paredes da caverna brilhavam fracamente com musgos luminosos, o que permitia enxergar o suficiente após os olhos se acostumarem à penumbra.

Apesar de úmida e sombria, o ar lá dentro era surpreendentemente respirável — devia haver diversas saídas ligando-a ao exterior.

Sem conseguir rastreá-los, o Bodisatva soltou um grito agudo, semelhante ao de uma ave, ecoando entre as montanhas. Nenhum deles entendeu o que dizia.

Chen Shi pousou Jin Hongying no chão, ajustou a caixa de livros nas costas e sussurrou:

“Venham comigo.”

Seguiram-no caverna adentro, caminhando cada vez mais fundo.

Depois de certo tempo, Jin Hongying e Li Tianqing perceberam que já deviam estar sob o coração da montanha. Se continuassem, talvez atravessassem até o outro lado.

De repente, diante deles, o solo desapareceu — um abismo subterrâneo se abria na rocha. Jin Hongying, distraída, quase caiu, mas Chen Shi a segurou a tempo.

Algumas pedras que ela chutou rolaram para o precipício e demoraram vários segundos até o som da queda ecoar.

Ali, alguém havia talhado uma trilha estreita na parede do abismo — tinha menos de dois palmos de largura, mas era impressionantemente longa e firme.

Os três — e o cão — se comprimiram contra a parede, avançando de lado, passo a passo.

No meio do caminho, Li Tianqing notou algo do outro lado do penhasco: ossos gigantescos que brilhavam em verde-fósforo, subindo desde as sombras lá embaixo até se prenderem na encosta oposta. Eram imensos e alongados, lembrando a ossada de uma criatura antiga.

Mas estavam longe demais para saber se eram realmente ossos — ou formações de pedra calcária.

‘O Monte Qianyang está cheio de coisas estranhas demais...’, pensaram os dois, em silêncio.

Sem Chen Shi como guia, jamais teriam visto tais maravilhas em toda a vida.

Quando enfim alcançaram o outro lado, outro túnel os aguardava. Seguiram sem saber por quanto tempo, até que uma luz fraca apareceu à frente. Pouco depois, emergiram num vale oculto, silencioso e fresco, com um riacho cristalino que desaguava num pequeno lago.

Chen Shi colocou a caixa no chão. Dentro, havia ainda uns dez quilos de carne espiritual, além de um pequeno caldeirão, uma faca para colher sangue de cão e uma concha de bronze para cozinhar.

Os quatro — três humanos e um cão — estavam famintos. Chen Shi cortou um pedaço de carne e jogou para o Caldeirão Negro, depois empilhou algumas pedras e acendeu uma fogueira improvisada.

As árvores ao redor estavam petrificadas em porcelana, exceto algumas já mortas e podres — as únicas que o domínio demoníaco não afetava.

Li Tianqing escolheu uma árvore morta recentemente e, com o Anel de Jade Seis-Yin, partiu-a ao meio para usar como tábua.

Chen Shi cortava a carne, Li Tianqing rachava lenha — trabalharam juntos com harmonia. Jin Hongying, sem nada a fazer, observava de lado.

Então, olhou para o lago, depois para si mesma. Levantou o braço, cheirou a axila e fez uma careta de nojo.

“Vou tomar banho”, anunciou. “E vocês dois pestinhas, se ousarem espiar, eu arranco os olhos!”

“Sim, sim!” — responderam os dois em coro.

Logo se ouviu o farfalhar de roupas sendo tiradas.

Os garotos, movidos por instinto, arriscaram uma olhadela — e viram um corpo branco e gracioso, de costas para eles, curvas suaves, pernas longas e retas como talos de bambu.

A mulher ergueu os braços para prender o cabelo — e de repente virou o rosto. Mas quando olhou, os dois estavam ocupados, um cortando carne, o outro partindo lenha.

Assim que ela se virou de volta, os dois espiaram outra vez — mas já era tarde, Jin Hongying havia mergulhado na água.

“Olhar o que não deve dá terçol, hein!” — zombou ela, dentro do lago.

“Não tem nada pra ver mesmo.” — disse Chen Shi, concentrado nos cortes.

“É, nada demais”, completou Li Tianqing com desdém. “Eu já vi minha prima tomando banho quando tinha oito anos!”

“Pois é”, respondeu Chen Shi. “Outro dia vi a viúva Wang tomando banho no quintal. Ela me chamou pra entrar, e eu nem fui!”

Li Tianqing, mexendo nos talismãs, achou um selo de fogo e começou a acender a lenha:

“E a Hongying ainda acha que queremos espiar... quem se importa? Eu, hein, quando tomo banho, qualquer um pode ver.”

Os dois começaram a conversar sobre mulheres, depois sobre o corpo feminino — trocando impressões com a seriedade de estudiosos discutindo filosofia.

De repente, duas mãos se estenderam por trás e torceram suas orelhas com força.

Jin Hongying, já vestida e de cabelo molhado, os segurava furiosa:

“Dois pestes sem vergonha! Ainda nem criaram pelos e já querem virar tarados!”

Os dois gritaram de dor até que ela os soltou.

Ela ajeitou o cabelo úmido, e os garotos se entreolharam — a conversa sobre mulheres parecia tê-los tornado mais próximos.

— Afinal, entre garotos, há sempre um tipo especial de camaradagem.

Quando a comida ficou pronta, Li Tianqing talhou três pares de hashis com o anel de jade e todos se sentaram para comer.

Jin Hongying suspirou, o cenho franzido:

“Maldito clã Zhao! Zhao Yanlong causou todo esse desastre, e Zhao Tianbao, sendo o governador de Xinxiang, nem sequer enviou tropas para resolver. Deviam todos ser executados!”

Chen Shi, curioso, perguntou:

“Então foi o clã Zhao quem libertou o Bodisatva Profano?”

Ela assentiu:

“Quem mais seria? Eu cheguei no local logo que senti a perturbação espiritual e vi três dos mestres Zhao sendo mortos pelo demônio. Eles estavam vasculhando as ruínas da olaria — em busca do Túmulo do Verdadeiro Rei.”

Li Tianqing completou:

“Eu também pensei nisso. Só o clã Zhao teria motivo pra se meter na olaria. Eles devem ter soltado o Bodisatva tentando achar o túmulo. Por outro tesouro menor, jamais arriscariam tantos homens.”

Jin Hongying o olhou com desdém e riu friamente:

“Mas sua família também não é santa, garoto. Por que a família Li, lá de Quanzhou, mandou Li Kefa pra ser magistrado em Shui Niu? Por bondade? Claro que não — também por causa do túmulo. Aposto que você e seu avô não vieram só pra investigar a morte dele.”

Li Tianqing admitiu:

“Sim. Nós também procuramos o túmulo, e precisamos de respostas pra levar de volta.”

“Família Li...” — disse Jin Hongying, sorrindo com ironia. — “Mais velha, mais esperta e bem mais venenosa que os Zhao. Vocês deixaram os Zhao crescerem de propósito, pra usá-los de bucha de canhão.”

Li Tianqing franziu a testa:

“Como assim?”

Ela explicou:

“A família Li é poderosa o bastante pra ter tomado Xinxiang antes que os Zhao sequer sonhassem com isso. Mas não o fez. Por quê? Porque tem medo — medo da inveja das outras famílias antigas, e medo do próprio túmulo. Ninguém sabe o que há lá dentro, nem quão perigoso é. Então vocês deixaram os Zhao crescerem... pra servirem de isca.”

Pegou um pedaço de carne e continuou:

“Eles foram a pedra de toque. Vocês observaram de longe. Quando os Zhao agiram e morreram, vocês aprenderam o que precisavam — sem perder um só homem. Conveniente, não acha?”

Chen Shi perguntou:

“Hongying-jie, as famílias nobres são mesmo tão astutas assim?”

“E como são.” — respondeu ela, séria. — “Essas linhagens sobreviveram por séculos por um motivo. Nunca subestime nenhuma delas. Mesmo os Zhao, que parecem manipulados, também tiram proveito. Usaram essa chance pra fincar raízes em Xinxiang, cresceram, floresceram e agora são respeitados. Ninguém saiu perdendo.”

Chen Shi pensou um pouco e disse:

“Mas o clã Zhao libertou um demônio que matou tanta gente. O governo não vai puni-los?”

Jin Hongying riu:

“Governo? Você quer dizer o Gabinete Imperial da Grande Ming? Quem te garante que não há patronos dos Zhao lá dentro? A família Li usa os Zhao como ferramenta, e os Zhao podem muito bem buscar abrigo em uma casa ainda mais poderosa. Quem sabe? Talvez, com a jogada certa, acabem sendo elogiados como ‘mártires leais’.”

Chen Shi ficou boquiaberto.

“E... a lei imperial?!”

Ela riu, empurrando pedaços de carne na boca dele:

“A lei imperial é a lei do imperador, garotinho — feita pra governar gente como você. Acha que vale pro topo? Come e anda logo!”

Depois da refeição, arrumaram tudo e seguiram viagem por uma trilha isolada.

Caminharam horas até avistarem o Pavilhão do Lago-espelho.

Do lado de fora, a carruagem de Xiao Wangsun estava parada. Li Jindou jazia ao lado, imóvel.

Li Tianqing correu até ele e verificou a respiração — ainda viva. Suspirou aliviado.

Li Jindou despertou, viu o neto e, misto de alívio e raiva, gritou:

“Desgraçado! Ainda tem a cara de me chamar de avô?!”

“Vovô, eu…”

“‘Vovô, eu’? Pois agora você é o avô, e eu sou o neto!” — esbravejou o velho.

Enquanto isso, Jin Hongying tentou entrar no pavilhão, mas Chen Shi a deteve:

“Estranhos não podem entrar. E só duas pessoas por vez. Caso contrário, há perigo.”

Ele explicou as regras do local:

“Você não é uma das moradoras, e ninguém sabe quantas pessoas estão lá dentro. Se entrar à força, pode ser atacada pelo próprio lugar.”

Ela hesitou, lembrando-se de ter sentido algo semelhante antes, e gritou impaciente:

“Xiao Wangsun! Sai daqui agora, sua velha coruja!”

O sarcófago de Xiao Wangsun se abriu em camadas, até que ele próprio saiu de dentro.

Do canto sudoeste, outro caixão se ergueu — e de lá saiu Vovó Sha.

Chen Shi piscou, surpreso, e logo compreendeu:

“Então ela também foi uma das construtoras originais do Pavilhão! Que coisa estranha... O vovô, a vovó Sha e o velho Wangsun — pessoas que nunca deveriam ter ligação — e, no entanto, estão presas por algum elo misterioso... Vovô provavelmente se meteu com uma seita esquisita!”

Os dois idosos saíram, com o semblante abatido.

Vovó Sha disse:

“Vamos conversar longe daqui. Não queremos acordar os velhotes que dormem neste lugar... se algum deles despertar, ninguém sobrevive.”

Todos olharam para as outras urnas e caixões dentro do pavilhão — e sentiram um calafrio.

Quem, afinal, dormia ali dentro?

Estavam mortos... ou apenas adormecidos?

Ao chegarem à beira do lago, o frio era cortante. O Caldeirão Negro espirrou várias vezes e se encolheu tremendo.

Chen Shi observou o grupo: velhos, fracos, doentes e aleijados. Suspirou.

Vovó Sha era velha, Jin Hongying ainda fraca, Xiao Wangsun doente, e Li Jindou — com as duas pernas transformadas em porcelana — era o aleijado.

“Com esse time de veteranos e desgraçados... como vamos enfrentar o Bodisatva Profano?”, murmurou ele.

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