— Então é assim que é a morte? — pensou Rodrick.
Um lugar escuro e vazio, sem noção de espaço ou tempo. Uma vastidão de nada que se estendia infinitamente em todas as direções.
Passei anos acreditando que, após minha morte, enfrentaria um julgamento divino — talvez como nos contos da Bíblia, onde almas são pesadas e destinos decididos, ou do Livro dos Mortos egípcio, onde Anúbis coloca nosso coração numa balança contra a pena da verdade.
Mas não.
É só isso? O nada? Sem umbral, sem vale dos suicidas... apenas um vazio absoluto e silencioso?
De repente, como um sussurro distante que foi crescendo, comecei a ouvir vozes.
— Será que me encontraram? Será que me levaram para um hospital? — pensou Rodrick, uma fagulha de esperança ou talvez medo surgindo no vazio de sua consciência.
Alguns segundos se passaram, e ele percebeu algo estranho: não entendia uma única palavra do que diziam. Os sons eram claramente vozes humanas, mas as palavras eram completamente incompreensíveis.
— Que língua é essa? Não é português... e muito menos inglês. Não se parece com nada que já ouvi antes.
Quando mais jovem, Rodrick gostava de estudar outros idiomas. O inglês, em especial, ele havia aprendido por anos, chegando a um nível avançado que lhe permitia compreender filmes sem legendas e ler livros no original.
Ainda assim, as palavras que ouvia agora eram completamente estranhas, como se nunca tivessem passado pelos seus ouvidos antes. Não havia familiaridade alguma, nenhum padrão reconhecível.
Rodrick notou que havia mais de uma pessoa naquela sala. Não porque estivesse de olhos abertos — eles permaneciam fechados, pesados demais para se moverem — mas porque conseguia captar as vozes distintas: pelo menos duas mulheres, uma com voz jovem e outra mais madura, e um homem, cuja voz tremia ligeiramente.
Uma das mulheres chorava. Não um choro contido, mas soluços profundos que pareciam vir do âmago de sua alma. Ele podia sentir as lágrimas quentes caindo sobre seu rosto, uma sensação estranhamente real para alguém que acreditava estar morto. Não entendia o motivo daquele pranto.
— Será que quem me encontrou está chorando por mim? Ou será que é a esposa do homem que eu matei? — pensou, confuso, enquanto tentava juntar os fragmentos dispersos de sua memória.
Enquanto tentava entender a situação, as vozes continuavam conversando em seu ritmo incompreensível, e ele ainda não conseguia decifrar uma única palavra sequer.
[— Senhorita, eu sinto muito! Fiz tudo o que pude para salvar seu filho. Usei magia de cura, até de nível intermediário... mas, infelizmente, não consegui.]
No meio da fala da mulher mais velha, o choro da mais jovem se intensificou, cada vez mais forte e desesperado, como o lamento de alguém que perdeu algo insubstituível. Logo em seguida, a voz do homem, embargada pelo choro, soou:
[— Amor, me perdoa! Eu não consegui trazer a parteira a tempo! Essa culpa é toda minha... Se ao menos eu tivesse dinheiro para manter uma parteira por perto enquanto você estava prestes a dar à luz... Me desculpa, amor... Me desculpa, filho!]
Eu não entendia o porquê, mas, de repente, uma vontade enorme de chorar começou a crescer dentro de mim. Era como uma onda que subia do peito para a garganta, incontrolável e avassaladora. Tentei, de todas as formas possíveis, controlar esse sentimento... esse desejo incontrolável que parecia não pertencer a mim. Mas foi em vão.
Enquanto abria os olhos com esforço, como se despertasse de um sono profundo, lágrimas começaram a escorrer por minhas bochechas, e eu simplesmente não consegui mais segurá-las. Não sabia o motivo, só sentia que era algo natural, como se estivesse além da minha vontade. Algo que não podia controlar, como um reflexo primitivo de um corpo que não reconhecia como meu.
Com a visão turva por causa das lágrimas, consegui finalmente enxergar uma mulher que me segurava no colo, seu rosto muito próximo ao meu.
Ela parecia ter uns 19 anos, não mais que isso. Seus olhos eram de um azul-marinho profundo, como o oceano em dia de tempestade, mas estavam vermelhos e inchados de tanto chorar. Seu rosto era delicado e bonito, com traços que lembravam o de uma jovem europeia de pinturas renascentistas, e seus cabelos tinham um tom loiro dourado, como fios de ouro puro iluminados pela luz suave que entrava pela janela.
Quando comecei a chorar, não foi só ela quem me olhou com espanto. O homem ao seu lado também virou-se para mim, com uma expressão que misturava incredulidade e esperança, como se testemunhasse algo impossível.
Ele parecia ter uns 23 anos. Tinha um rosto bem masculino para sua idade, com maxilar definido e sobrancelhas espessas, olhos castanho-claros que brilhavam com lágrimas contidas e cabelos de um preto azulado, como o céu noturno. Sua aparência também remetia a um europeu, talvez do norte, a julgar pelos traços.
De repente, a terceira pessoa que estava na sala se aproximou rapidamente, com os olhos arregalados de surpresa.
Era uma mulher mais velha, aparentando cerca de 52 anos. Algumas rugas marcavam seu rosto, principalmente ao redor dos olhos e da boca, e os cabelos, já começando a ficar brancos nas têmporas, deixavam claro o peso da idade e da experiência. Seus olhos eram de um verde-claro, como folhas jovens na primavera, e, como os outros dois, sua aparência também era tipicamente europeia, com aquele ar de sabedoria que só os anos podem conferir.
Enquanto eu tentava entender quem eram aquelas pessoas e o que estava acontecendo, a mulher que me segurava nos braços começou a chorar novamente. Mas, dessa vez, suas lágrimas não pareciam ser de tristeza, como antes. Havia algo diferente nelas, algo que transformava seu rosto. Alívio, talvez... ou uma felicidade tão intensa que só podia ser expressa através do choro.
Instintivamente, como se meu corpo respondesse a um comando que não dei, tentei levantar as mãos, querendo, de alguma forma, enxugar suas lágrimas. Foi nesse momento que percebi algo profundamente perturbador:
Eu não tinha força alguma.
Meus braços pareciam fracos, pequenos... desajeitados. Não respondiam como deveriam, movendo-se de forma descoordenada, como se eu nunca tivesse usado membros antes.
— O que está acontecendo? — pensei, um pânico crescente tomando conta de mim. — Eu me tornei... uma criança? Isso é sério!? Isso não pode ser real.
Mesmo em vida, eu sempre tive uma constituição física forte, músculos definidos pelo treinamento constante, por isso aquele corpo frágil e indefeso era algo impossível de aceitar. Foi então que a realidade, lenta e cruel como uma lâmina que penetra a carne, se revelou: eu havia reencarnado.
Exatamente como nas novels de fantasia oriental que eu lia durante a adolescência — e até mesmo quando adulto, nos momentos de solidão. Aquelas histórias que sempre considerei mera ficção agora pareciam ser a explicação mais plausível para o que estava vivendo.
A mulher que me segurava me puxou para mais perto, e me envolveu num abraço sutil, cuidadoso, como se eu fosse feito de porcelana que poderia quebrar ao menor descuido. Um gesto que, para mim, era inconfundível mesmo após tantos anos: o abraço de uma mãe. O mesmo tipo de abraço que a minha própria mãe, Beatriz, costumava me dar, quando eu era criança, antes que a tragédia destruísse nossa família.
Tomado por aquela onda de sentimentos nostálgicos e pela memória de um carinho há muito perdido, não consegui me segurar. Meu choro, inicialmente contido, se tornou cada vez mais forte, incontrolável, como se anos de dor represada finalmente encontrassem uma válvula de escape.
A mulher, no entanto, não parecia se incomodar com meu pranto. Pelo contrário. Ela começou a beijar minhas bochechas repetidas vezes, murmurando palavras de conforto que eu não compreendia, como se tentasse me acalmar... ou como se quisesse compensar todos os minutos em que achou que me perderia para sempre.
Eu podia sentir que ela não queria me soltar, que me agarrava como se eu pudesse desaparecer a qualquer momento. Mesmo quando o homem e a senhora ao lado pediam, quase implorando, para que ela me entregasse, ela apenas me apertava mais contra o peito, como uma leoa protegendo seu filhote.
Então, o homem — que, pelo que tudo indicava, era o pai da criança cujo corpo eu agora habitava — falou com a mulher em um tom bem mais leve e feliz do que antes, sua voz ainda embargada pela emoção, mas agora carregada de esperança.
[— Maria, você precisa entregar nosso filho para a curandeira examiná-lo. Eu sei que você não quer se separar dele, mas por favor, deixe-a dar uma olhada. Precisamos ter certeza de que ele está realmente bem.]
Com grande relutância, como quem entrega seu bem mais precioso, ela me entregou para a senhora mais velha, que me recebeu nos braços com um cuidado impressionante, como alguém que já segurou centenas de recém-nascidos ao longo da vida.
De repente, algo extraordinário aconteceu. Uma luz branca, suave como o luar mas intensa como o sol do meio-dia, começou a emanar da mão da anciã que agora me segurava. A luz envolvia meu pequeno corpo como um manto protetor. A sensação era indescritível — quente e reconfortante, como se, de alguma forma, eu estivesse seguro outra vez, protegido de todo mal.
— O que é isso? — pensei, maravilhado e confuso ao mesmo tempo. — Isso é magia? Magia real? Existe mesmo magia nesse mundo?
Fiquei refletindo sobre aquilo, tentando processar o que via. Por mais que minha família, no meu antigo mundo, lidasse com o que chamavam de energia — magos, como gostavam de se chamar com certo orgulho —, a magia de lá não era assim, tão tangível e visível. Não havia forma física, não havia luz emanando das mãos, tampouco esse calor que parecia curar não apenas o corpo, mas também a alma. Era algo abstrato, conceitual, diferente de tudo o que eu estava presenciando agora.
Mesmo com toda a confusão que me cercava, com todas as perguntas sem resposta que se acumulavam em minha mente, o que mais me impactava era testemunhar aquele fenômeno extraordinário... algo que, até então, eu só conhecia dos livros de fantasia e das lendas antigas.
— Interessante... não, é mais que isso — é uma dádiva divina — pensei, enquanto a luz continuava a me envolver, como se examinasse cada célula do meu ser.
Pouco depois, a luz que saía da mão da anciã diminuiu gradualmente até cessar por completo. Ela abriu um leve sorriso, o tipo de sorriso que carrega sabedoria e mistério, e caminhou de volta até a mulher que, segundos antes, me segurava nos braços com tanto amor.
[— Senhorita Maria, seu filho está bem. Para ser sincera, diria que ele está em um estado que só posso chamar de... milagre.]
A jovem mãe, com os olhos ainda brilhantes de lágrimas, perguntou com voz trêmula:
[— Anciã Margareth, o que quer dizer com "um milagre"?]
— O que será que elas estão conversando? — me questionei, frustrado por não entender uma palavra sequer daquele idioma estranho.
A anciã, que agora eu sabia se chamar Margareth, continuou com uma expressão solene:
[— Senhorita Maria, vamos ser sinceras. Seu filho nasceu morto. Não fui apenas eu que vi... você viu, e o senhor Lucius também. Não havia batimento cardíaco, não havia respiração. Ele estava azul.]
Ela fez uma breve pausa, olhou diretamente para mim com um olhar penetrante, como se pudesse ver além do corpo físico, abriu um sorriso calmo e prosseguiu:
[— Seu filho é a prova de que milagres existem. Não, para ser franca... ele é o próprio milagre encarnado. Nunca ouvi falar de uma criança que, nascendo sem vida, voltasse a respirar após cinco minutos, sem qualquer intervenção que explicasse tal fenômeno. Se isso não é um milagre, eu não sei o que seria.]
Maria, agora me segurando novamente em seus braços protetores, fez um gesto com a cabeça, concordando com cada palavra da anciã, como se ela mesma mal pudesse acreditar no que havia acontecido. Então Margareth prosseguiu, sua voz agora mais leve:
[— Senhor Lucius, Senhorita Maria... já decidiram qual será o nome do seu filho? Uma criança tão especial merece um nome à altura de seu destino.]
Maria me olhou por alguns segundos, seus olhos azuis estudando cada detalhe do meu rosto, como se procurasse nele algum sinal divino. Depois voltou os olhos para Lucius e, com a voz embargada pela emoção, mas firme em sua decisão, respondeu:
[— Antes, havíamos decidido chamá-lo de Ronald, como meu avô. Mas, depois de tudo o que aconteceu hoje, e como a própria anciã disse, isso foi um milagre... então eu decidi mudar o nome dele. Um novo começo merece um novo nome.]
Ela me apertou suavemente nos braços, como para confirmar que eu era real, abriu um sorriso que irradiava amor puro e incondicional e concluiu com voz solene:
[— A partir de hoje, seu nome será Elian Freimann. O nome significa "Luz" ou "Graça". E é exatamente isso que ele representa para mim, e para o Lucius. Uma luz que brilhou quando tudo parecia escuro, uma graça concedida quando já havíamos perdido a esperança.]
Enquanto as lágrimas de felicidade ainda escorriam por seu rosto corado, ela me abraçou e beijou com todo o carinho do mundo, selando aquele pacto de amor eterno entre mãe e filho.
E, de alguma forma, naquele momento eu entendi, com uma clareza que transcendia a barreira do idioma: a partir daquele dia, meu nome seria Elian... e não mais Rodrick. Uma nova vida havia começado, com todas as suas possibilidades e mistérios. O homem que eu fui havia morrido naquela casa abandonada, mas algo novo havia nascido daquelas cinzas.
Enquanto os três adultos conversavam animadamente sobre o futuro, fazendo planos para uma vida que acabara de começar, eu me permiti relaxar nos braços daquela que agora era minha mãe. Talvez, pensei, esta fosse uma chance de redenção. Uma oportunidade de viver uma vida diferente, longe do ódio e da vingança que consumiram minha existência anterior.
Com esse pensamento reconfortante, fechei meus olhos recém-abertos e me entreguei ao sono, embalado pelo calor materno que há tanto tempo eu não sentia.