LightReader

Chapter 2 - Capítulo 2: O Visitante e as Sementes

Maisa acordou com uma dor surda no lado esquerdo, como se a queda da escada tivesse deixado marcas invisíveis sob a pele. A luz da manhã entrava pelas frestas da madeira, iluminando o pó que dançava no ar. Hoje não iria à escola.

Enquanto isso, na sala abaixo, um visitante inesperado chegara: o professor Raul.

Ele sentava-se à mesa simples, as mãos sobre os joelhos, enquanto Maria apressava-se para preparar um café que era mais gesto do que abundância. Seus olhos percorreram a casa — as paredes de madeira gastas, o chão de terra batida em alguns cantos, o telhado que deixava ver finos fios de luz em dias de sol forte. Seu rosto manteve-se sério, mas seus dedos apertaram-se discretamente.

Quando Maisa desceu com cuidado, apoiando-se nas paredes, encontrou-o na cozinha. Seus olhos arregalaram-se.

— Professor, o que fazes cá?

Ele levantou-se, aproximou-se, e ajoelhou-se à sua altura, como se falasse com algo precioso e frágil.

— Soube que estavas doente. Vim ver-te.

Maria trouxe o café em xícaras desiguais.

— Senhor Raul, o café está pronto.

— É… é que tenho de ir — disse ele, mas seus pés não se moveram.

O silêncio que se seguiu foi pesado. Maria olhava para as mãos calejadas, angustiada por não ter mais para oferecer. Olíces observava de pé perto da porta, o rosto ainda marcado pela violência da noite anterior.

Então o professor Raul tirou algumas notas dobradas do bolso.

Como forma de agradecer pela atenção disse, estendendo o dinheiro, fiquem com isto. Para fazerem o que precisarem.

Olíces hesitou, então estendeu a mão. O gesto foi rápido, quase furtivo. A vergonha pairou no ar, mas a necessidade falou mais alto.

Ao sair, já do lado de fora, o professor virou-se para a casa. Fez um gesto quase imperceptível com a cabeça — não de desdém, mas de impotência —, baixou o olhar e seguiu pelo caminho longo e poeirento.

Os dias que se seguiram foram silenciosos e pesados. Maisa, sem poder ir à escola, via os irmãos saírem de uniforme e voltarem com histórias que ela só podia imaginar. O pai contratou um professor da escola para dar-lhe ensino à distância, mas as lições aconteciam num canto da sala, enquanto ela observava pela janela as outras crianças passarem.

À noite, ouvia os pais discutindo baixinho na sala.

— Não há trabalho, Olíces. Ninguém quer saber de mim depois daquela publicação.

O pai, engenheiro sapateiro, antes conhecido em toda a outra parte do bairro pelo seu trabalho cuidadoso, agora estava reduzido a cicatrizes e dores. Uma mentira publicada por um vizinho invejoso destruíra sua reputação. As pessoas acreditaram, e ninguém mais queria seus serviços. Ele, que sempre escondera a dor e o cansaço sob um sorriso, agora enfrentava o murmúrio constante dos outros.

Maria, por sua vez, começou a cultivar. Plantou sementes num pedaço de terra perto do mar, mas as ondas altas levaram boa parte dos brotos. Cansada, foi mais longe, para um lugar distante, protegido, onde a terra era mais generosa.

Ali, algo floresceu. As pessoas começaram a admirar seus legumes, suas verduras, seus produtos que cresciam com um cuidado que só quem conhece a fome sabe dar. Ela vendia, pouco a pouco, e usava o dinheiro para comprar farinha, para fazer os salgados que Maisa antes vendia na escola.

Mas nem todos os dias eram de vento a favor. Às vezes, Maria voltava tarde, a cesta ainda quase cheia. Às vezes, ninguém passava pelo caminho que ela escolhera. Nessas noites, regressava a casa sem nenhum tostão, os pés cansados, o olhar fixo no chão, como se procurasse, na poeira do caminho, respostas que a terra ainda não lhe dera.

Maisa observava tudo, desde a sua janela, desde o seu canto. A dor no lado esquerdo já não era apenas física — era um peso quieto, uma solidão que crescia em silêncio, enquanto o mundo à sua volta tentava, e falhava, e tentava de novo.

E o mar, lá longe, continuava azul.

Como testemunha silenciosa de todas as quedas,

e de todas as sementes que teimavam em brotar.

More Chapters