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Chapter 6 - The Oracle of the Dregs

[SISTEMA ORACLE: DESPERTADO]

[NÍVEL DE FLUIDO: 95% DA CAPACIDADE]

[TEMPERATURA: 185°F (ESCALDANTE)]

[TIPO DE CHÁ: CAMOMILA GENÉRICA (NOVAMENTE)]

Eles me chamam de "O Bom Cálice".

Dizem: "Cuidado com essa peça, ela pertencia à bisavó. Não a coloque no micro-ondas; ela tem detalhes em folha de ouro."

Eles veem apenas minha frágil casca e minhas violetas pintadas à mão. Não veem meu fardo.

Eles não sabem que, quando um líquido quente entra em contato com meu interior vitrificado, o vapor não sobe aleatoriamente.

O vapor forma imagens. O vapor conta histórias.

Eu sou Lady Porcelana. Eu vejo o futuro.

Mas os Deuses da Cerâmica são cruéis. Eles me deram a Visão, mas limitaram meu alcance. Eu não prevejo guerras. Eu não prevejo os números da loteria.

Prevejo apenas o trágico colapso estrutural dos produtos de panificação à base de farinha.

Mildred senta-se à mesa. Ela suspira. O peso da existência (e suas varizes) a oprime. Ela pega o pacote.

O som do plástico rasgando ecoa contra o meu aro como um trovão.

[VISÃO PROFÉTICA: ATIVADA]

[OBJETO IDENTIFICADO: BISCOITO "MARIE" (SAFRA DE 2024)]

[INTEGRIDADE ESTRUTURAL: SUSPEITA]

Meus sensores espirituais se concentram no pacote.

Eu vejo o futuro. Vejo as linhas do tempo se entrelaçando. Em 14 milhões de futuros possíveis, o biscoito sobrevive em apenas um.

Mildred enfia a mão no pacote.

Não essa, sussurro na minha frequência cristalina vibracional. Não pegue a terceira da fila. Ela sofreu um microtrauma durante o transporte pelo caminhão!

Mildred pega o terceiro biscoito.

Ah, a arrogância humana.

Ela segura o disco dourado de amido e açúcar. Para ela, parece sólido. Firme. Crocante.

Mas eu vejo a verdade.

[ANÁLISE DE ALVO]

[NOME: MARIE UNIDADE Nº 452]

[DEFEITO OCULTO: FRATURA MICROFISSIONAL NO QUADRANTE NORTE]

[DESTINO: AFOGAMENTO]

Mildred aproxima o biscoito da minha boca fumegante.

O chá de camomila, meu sangue temporário, agita-se em antecipação. É um predador líquido. Deseja penetrar. Deseja dissolver.

O biscoito treme na mão de Mildred. Se biscoitos tivessem alma, aquele estaria gritando.

"Só uma cestinha rápida", murmura Mildred para si mesma, alheia ao horror que está prestes a desencadear.

O "mergulho" começa.

O biscoito rompe a tensão superficial do chá.

[TEMPORIZADOR DO APOCALIPSE: INICIADO]

00:01

O líquido quente penetra nos poros externos da massa. A crocância fica comprometida. Isso é aceitável. O sabor é realçado.

00:02

A absorção atinge 30%. O biscoito está no "Ponto Máximo de Mergulho". É o momento perfeito para a abstinência.

Retire-se agora, Mildred! Eu grito mentalmente. A perfeição foi alcançada! Não seja gananciosa!

Mas Mildred não desiste.

Seus olhos se desviam para a pequena TV em cima do balcão. A novela está passando. A vilã acaba de revelar que é a mãe da protagonista.

Mildred fica paralisada em choque dramático.

A mão dela continua segurando o biscoito dentro de mim.

[AVISO: ZONA DE PERIGO]

00:03

A saturação higroscópica atinge 60%.

A cola de glúten que mantém o biscoito unido começa a se dissolver. A rachadura oculta no quadrante norte se expande.

Mildred, pelo amor do forno, olhe para a sua mão!

Minha porcelana esquenta de nervosismo. Sinto o peso do biscoito mudar. Está ficando pesado. Flácido. Um cadáver inchado de trigo.

00:04

[FALHA ESTRUTURAL IMINENTE]

[INTEGRIDADE: 15%]

Vejo a visão se materializar. O futuro é agora.

A metade inferior do biscoito, pesada com o peso do chá absorvido, já não consegue ser sustentada pela metade superior seca que Mildred segura.

A gravidade, essa mestra cruel, faz o seu chamado.

"Nossa, que reviravolta!" diz Mildred para a TV, finalmente voltando sua atenção para o lanche.

Tarde demais.

Ela inicia o movimento de içamento.

[STATUS: CRÍTICO]

[RESISTÊNCIA À TRAÇÃO: ZERO]

No momento em que ela puxa o biscoito para cima, a física dita a sentença.

A parte molhada decide emancipar-se.

Lentamente. Em câmera lenta, como em um filme de desastre.

Vejo a fenda se abrir. Vejo as migalhas se desprenderem como pequenos paraquedistas condenados.

"Não..." sussurra Mildred.

Sim, respondo, estoico. O destino é inescapável.

PLOP.

O som está abafado. O som da derrota.

A metade inferior do biscoito Marie se desprende e mergulha nas minhas profundezas abissais. Afunda como o Titanic, deixando um rastro de bolhas e migalhas turvas.

Mildred fica apenas com a metade seca, uma lua crescente de decepção.

[RESULTADO DA PROFECIA: CONFIRMADO]

[CONDIÇÃO DO CHÁ: CONTAMINADO]

[TEXTURA LÍQUIDA: SOPA DE FARINHA GROSSA]

Agora eu carrego um cadáver.

Lá no fundo, sobre meu leito de porcelana branca, a massa começa a se desintegrar completamente, transformando meu chá dourado em uma lama bege viscosa.

Fui concebida para a nobreza. Para servir o Conde Grey nos jardins vitorianos. E agora sou um cemitério de carboidratos baratos.

Mildred olha para o pedaço seco em sua mão. Ela o come, tristemente.

Então, ela olha dentro de mim.

Ela vê o navio naufragado.

Ela pega uma colher.

Não.

Por favor, não.

A "Expedição de Pesca". O ato mais humilhante que uma xícara de chá pode presenciar.

Ela enfia a colher nas minhas entranhas, mexendo a gosma, tentando resgatar os restos mortais do biscoito. O metal raspa na minha bunda.

Krrrrt. Krrrrt.

Sinto arrepios percorrerem meu corpo.

Ela retira da água uma massa disforme e viscosa.

"Eca", ela diz.

E então, a afronta final.

Ela não bebe o chá. O chá está estragado. Cheio de detritos flutuando.

Ela se levanta, caminha até a pia e...

Me deixa de cabeça para baixo.

O chá, o biscoito estragado, minha dignidade... tudo foi por água abaixo.

[REINICIANDO O SISTEMA...]

[PREVISÃO PARA A PRÓXIMA CORTE: 100% DE CHANCE DE FRACASSO]

Eu sou Lady Porcelana.

E eu detesto a hora do lanche.

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