O inverno aqui não perdoa.O Território da Plantação de Trigo é uma terra sem cor, sem alma.Exceto pelo branco.O branco da neve que cai como um lençol de esquecimento, encobrindo a podridão, a sujeira e a miséria como se o mundo estivesse tentando esconder sua própria vergonha.
Eu tremo. Meus dentes batem sem ritmo.O feno sob mim está úmido, fedendo a mofo e rato.Minhas roupas, finas como papel velho, grudam na pele marcada por hematomas.Os machucados ainda ardem — marcas deixadas pelo velho Eliote, o maldito.
Sim, eu me chamo Eliot. Ou pelo menos agora sou.
— "Hiss... está tão frio. Como... como um Transmigrador, eu sou realmente uma vergonha."
Eu deveria estar em um trono de ossos, comandando legiões de mortos, ou pelo menos despertando algum sistema milagroso, não?Mas não. Estou aqui, em uma cabana caindo aos pedaços, no cu congelado de um feudo esquecido, onde até os ratos pensam duas vezes antes de entrar.
Cheguei aqui há um mês.Na minha última vida, fui... bom, nada digno de nota. Apenas um homem. Um idiota com um harém de mentiras.Morri esfaqueado por uma amante traída. Merecido, talvez.E renasci neste mundo de merda como o filho desnutrido de um bêbado escroto.O velho Eliote.
Não chore por ele.O desgraçado trocou até as dobradiças da porta por bebida barata.Apanhava por existir.Comia vento e bebia lágrimas.E agora ele está morto, congelado como carne de açougue esquecida na neve. Finalmente.
Mas isso não muda o fato de que eu estou morrendo também.
A barriga dói.Não de fome — fome é um eufemismo —, mas de vazio, como se minha alma estivesse sendo comida por dentro.E ainda assim... há algo em mim. Algo que não é deste mundo.
Uma Boca.
Sim. Quando acordei neste corpo, senti aquilo.Como uma cicatriz flamejante no fundo do meu espírito.Uma Boca viva. Faminta.Sussurrando coisas que não entendo. Prometendo. Observando.
Talvez seja minha trapaça. Meu "cheat".Mas se for... que droga de trapaça inútil!
— "Não consigo dormir, não consigo dormir de jeito nenhum! Você é um Transmigrador com um cheat, como pode cair aqui!"
Sinto o coração apertar.Estou sozinho.Com frio.Com medo.
E então — batidas.
Batida. Batida. Batida.
Minha mente vacila.Será que estou alucinando?
As batidas continuam.Secas. Rígidas. Como punhos impacientes batendo em madeira podre.
Alguém está lá fora.
Mas... ninguém deveria vir aqui.Não nesse frio. Não nessa miséria.Ninguém visita um cadáver adiantado.
Minhas mãos tremem enquanto me arrasto para a porta.
..........
As batidas cessaram por um instante... e então veio o chute.A porta rangeu como se chorasse, e quase se soltou da dobradiça miserável.A voz do lado de fora me atingiu como um tapa de realidade.
— "Velho Eliot, você ainda está vivo?!"
Aquela voz...Ela me tirou do torpor, como um grito dentro de um poço.Me arrastei, rangendo os dentes, os músculos rijos como pedra rachada, o corpo protestando a cada movimento.
"Velho Eliot está morto, seu infeliz...", pensei, "e o jovem Eliot está se recusando a seguir o mesmo caminho."
Com esforço, consegui me levantar do feno. O cheiro de urina seca, pus e suor me enojava.Mas eu precisava parecer humano. Ou pelo menos funcional.
A porta abriu, e por entre a névoa branca do frio, entrou ele: Sr. Eduardo, o Chefe Oficial do Território.
Um homem alto, de capa negra bem passada, botas envernizadas, e um olhar que parecia julgar tudo ao seu redor com a precisão de um bisturi.Ele carregava nobreza nos ossos — e no desprezo oculto nos olhos.
Meu coração disparou.Por que ele, de todas as pessoas, viria aqui?O Chefe Oficial era um nome sussurrado com medo entre os camponeses. Diziam que ele valia mais que o próprio barão, e que um só gesto seu poderia condenar uma família inteira à servidão ou à forca.
Mas eu precisava falar. E rápido.
— "Chefe Oficial, meu pai morreu congelado há dois dias, mas eu ainda estou vivo. Por favor, me dê as tarefas que você tiver."
Minha voz saiu fraca.Baixa, rouca, sem força — como se minha alma estivesse pedindo licença para sair do corpo.
Ele me olhou por alguns segundos, sem dizer nada.Seu olhar percorreu cada centímetro da minha carcaça — e era assim que eu me sentia: uma carcaça.
Então, ele tirou um lenço branco do bolso e cobriu o nariz.
Ah... ótimo. Um começo esplêndido.
— "Ah, você é o jovem Eliot, certo?"
O nome saiu da boca dele como quem se refere a um animal novo no curral.
— "Sou o jovem Eliot, Chefe Oficial."Forcei o corpo a se curvar, uma meia reverência, como manda a etiqueta dos servos. Não era perfeita, mas não era rude. Era... educada o suficiente.
E por um breve segundo, vi algo raro: surpresa.
Sim, nos olhos treinados daquele homem impecável, brilhou algo como espanto.Mesmo eu, caindo aos pedaços, consegui fazer com que um nobre franzisse o cenho de forma diferente.
Boatos diziam que o Sr. Eduardo prezava por etiqueta mais que por sangue.E se até mesmo um cão esfomeado conseguisse latir com boas maneiras, talvez ele o alimentasse antes de matá-lo.
Eu apostei nisso.
— "Bom garoto," ele disse com a voz mais gentil que já ouvi de um oficial. "Que bom que você está vivo. Venha comigo e faça o que eu mandar depois."
— "Sim, senhor."Minhas palavras saíram automáticas,